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CRÍTICA
Mídia: Modos de usar
FERNANDO DE BARROS E SILVA
A MAIS recente piada saída das hostes malufistas é
de que a apresentadora Hebe Camargo é possível candidata do PPB à prefeitura de São Paulo
no ano que vem. A notícia foi publicada sem
muito destaque, há pouco mais de 15 dias, na Folha. Dizia: "O ex-prefeito Paulo Maluf incluiu ontem a apresentadora Hebe Camargo em uma lista de possíveis candidatos de seu partido à sucessão do prefeito Celso Pitta, no
próximo ano. Maluf se referiu à apresentadora como
"uma mulher maravilhosa, excepcional e corajosa"".
Hebe, como se sabe, é malufista de carteirinha e de longa data. Nunca escondeu
isso. Em abril, por exemplo, quando a
bandalheira municipal envolvendo a camarilha de Pitta (e de Maluf) ocupava lugar de destaque na mídia, Hebe saiu com
a seguinte declaração: "Celso Pitta não
tem competência para administrar São
Paulo". Disse a seguir que estava "arrependida" de ter votado no prefeito e
isentou Maluf de ter qualquer participação com a "máfia da propina". "Já quanto ao prefeito... não gosto de falar de traidores", concluiu.
Depois de alguns meses no centro da
mídia, a máfia da propina praticamente
evaporou do noticiário. Um ou outro
barnabé da administração municipal foi
preso, alguns vereadores corruptos foram indiciados, mas o grosso da investigação ficou por ser feito. A CPI foi abortada numa manobra da bancada governista, a ameaça de impeachment que pairou sobre Pitta
foi afastada por um acordão que ajeitou temporiamente
interesses de velhos e novos malufistas, divididos entre o
antigo e o atual chefe, de preferência fiéis aos dois.
Pois bem. É evidente que a candidatura Hebe é um factóide lançado por Maluf, que pretende testar seu impacto
na mídia. Se colar, muito bem, avalia-se sua possibilidade
mais seriamente; se não comover as massas, paciência,
esquece-se a apresentadora, dando-lhe outra tarefa, e
parte-se para alguma outra estratégia de sobrevivência
política.
A campanha à prefeitura paulistana promete, de qualquer forma, transformar-se numa caricatura do circo democrático brasileiro. Atrações não lhe faltam. Além da
própria Hebe, Fernando Collor aguarda decisão da Justiça para concorrer ao cargo. Já é candidato assumido,
comporta-se com tal, e a receptividade que teve recentemente ao exercitar seu populismo no programa de auditório de Raul Gil, que registrou altos índices de audiência,
certamente reforçou seu delírio bonapartista. É inevitável
que faça comparações com a eleição de 89 à Presidência.
Era um obscuro político alagoano até 88, quando a mídia
começou a identificá-lo como o "caçador de marajás" (a
famosa capa de "Veja" é de março daquele ano). Um ano
depois, em março de 89, Collor tinha apenas 9% das intenções de voto, segundo o Ibope; em maio, saltara para
32%.
Junto a assessores seus, Collor vem ridicularizando, não
sem manifestar uma grande dose de inveja, a baixa audiência do programa de debates apresentado aos sábados
na Rede Bandeirantes por Marta Suplicy, candidata do
PT à Prefeitura, até agora líder nas pesquisas de opinião.
"Ah, se eu tivesse aquele espaço todas
as semanas", tem repetido aos mais
próximos, escarnecendo do desempenho da virtual adversária. Marta Suplicy paga assim o preço de ter aceitado participar do circo. Inventou para
si um programa em que agia, ou fingia
agir, como se não fosse candidata, mas
cujo propósito é expô-la na mídia,
dar-lhe visibilidade eleitoral.
A pré-temporada eleitoral paulistana dá muito o que pensar. A importância que a política tem hoje na mídia
parece ser inversamente proporcional
à importância que os políticos dedicam à mesma mídia. A política perdeu
espaço histórico, deixou de interessar
as pessoas, não mobiliza mais a sociedade. Na TV, o eixo dos noticiários de
grande audiência deslocou-se para os
"faits divers", para os dramas sociais,
as pequenas curiosidades da vida cotidiana, as tragédias naturais, tratados preferencialmente
com boa dose de sentimentalismo e senso de espetáculo.
Os noticiários dedicados à elite, por sua vez, deslocaram
sua ênfase da política para a economia. O que interessa
são as privatizações, as fusões empresariais, o câmbio etc.
A política vem a reboque e, no geral, se confunde com a
"agenda modernizadora" do governo, incluída aí a ladainha das reformas.
Nesse ambiente despolitizado de cima a baixo e onde as
aspirações coletivas foram pulverizadas nos interesses
privados de cada um, a TV tornou-se o pólo catalisador
da política reduzida a um ramo do marketing. Mesmo
Marta Suplicy, tão diferente de Collor e de Hebe, joga esse
jogo.
Para quem quiser conhecer melhor e a fundo como se
dão as relações da política com a mídia, entre um poder e
outro, é muito útil ler "Notícias do Planalto - A Imprensa e Fernando Collor", livro do jornalista Mario Sergio
Conti, ex-diretor de redação de "Veja", recém-lançado
pela Companhia das Letras. É uma obra excepcional, um
marco na história do jornalismo brasileiro, que vale com
folga as suas quase 700 páginas. Mais do que uma grande
reportagem sobre o período em questão, da ascensão à
queda de Collor, é uma radiografia minuciosa e de longo
alcance do patronato brasileiro o que o livro traz. Poderia
se chamar, parafraseando a obra clássica de Raimundo
Faoro, "Os Donos do Poder". Nele estão expostas como
surgem as decisões, como se fazem e desfazem alianças,
como agem grupos de interesse dentro e fora da mídia,
enfim, como se comporta a elite nativa. O retrato, feito
com o mínimo de adjetivos e o máximo de informações, é
avassalador, embora à primeira vista pareça até simpático
ao baronato. Essa impressão, que vários colegas de profissão tiveram, é ela mesma indicativa do objeto em questão. Faz parte das nossas fantasias democráticas.
E-mail: fbsi@uol.com.br
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