São Paulo, Domingo, 28 de Novembro de 1999


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ARROZ-DE-FESTA
Artistas como padre Marcelo Rossi e É o Tchan aparecem mais de 50 vezes na TV em dois meses, expondo a pressão das gravadoras para divulgá-los
Vendedores de CD invadem a televisão

Folha Imagem
Padre Marcelo Rossi durante gravação do 'Amigos & Amigos', da Globo, ao lado de Chitãozinho (à esq.) e Zezé Di Camargo (à dir.)


ERIKA SALLUM
da reportagem local

R ESPONDA rápido: quem é Maurício Manieri? Se você não sabe, sua TV provavelmente deve estar quebrada. O cantor, intérprete de sucessos como "Minha Menina" e "Bem Querer", apareceu nas últimas três semanas em mais de 14 programas de TV, incluindo os de Xuxa, Raul Gil, Fábio Jr., Gugu e Eliana.
Manieri é apenas um exemplo de uma prática cada vez mais comum na TV brasileira. Para promover seus discos, as gravadoras elaboram um esquema voraz de divulgação, condensando em algumas semanas a ida de cantores e bandas a todos os programas. O resultado é uma saturação sem limites para o telespectador, que passa a ver as mesmas atrações na Globo, Record, SBT, CNT etc.
De axé a pagode, de música romântica às louvações a Jesus, ninguém escapa das gravadoras, mas nenhuma banda ou cantor supera o carismático padre Marcelo Rossi. Desde o início de outubro, quando ocorreu o lançamento de seu disco "Um Presente para Jesus", ele já apareceu 92 vezes na TV, só no Rio e no Estado de São Paulo -somando mais de 24 horas no ar, se for considerado que, em cada uma dessas aparições, ele fica cerca de 16 minutos na telinha.
Outro campeão da TV, o É o Tchan pôde ser visto mais de 50 vezes no mesmo período, seguido de Paulo Ricardo, que já fez mais de 45 participações em programas desde outubro. A eles, somam-se Daniel (27 aparições nos últimos dois meses), Maurício Mattar (16 aparições desde 19 de outubro), Kiloucura (mais de 14 aparições neste mês) e Falcão (12 aparições em 20 dias), só para citar alguns nomes de peso.
E não há restrição a nenhum tipo de programa. Entre os mais "visitados", estão o "H", da Bandeirantes, o "Programa Raul Gil", da Record, o "Programa Livre" e o "Domingo Legal", do SBT, e o "Ligação", da CNT/Gazeta.
Na guerra pela audiência, não é somente o espectador que sofre. Os diretores e produtores de TV têm de se desdobrar para conseguir que um artista do porte de Daniel, por exemplo, vá a seu programa, principalmente se a atração não for um "Faustão" ou "Domingo Legal", líderes no Ibope.
"A gente acaba ficando nas mãos das gravadoras. É superchato, porque, quando vem um desses artistas, em geral ele está em todos os outros canais e até nos programas da nossa própria emissora. Os Raimundos, por exemplo, apareceram aqui e no "Programaço", da Band, no mesmo dia e horário", diz Renata Neto, diretora do "Zapping", da Record.
Para tentar burlar esse esquema, a diretora aproveita que o programa não é feito ao vivo e muitas vezes guarda reportagens com cantores para exibir mais tarde, quando eles não estão tão em evidência nos outros canais: "O que vale é a criatividade. Não dá para colocar o cara apenas cantando, fica igual a todo mundo. Por isso levamos o artista para uma academia, para a rua etc.".
Ela conta que a Record vai tentar, no próximo ano, armar um esquema com as gravadoras para evitar que um músico participe de mais de um programa da emissora na mesma semana.
Valdemyr Fernandes, diretor do "Mãe de Gravata", programa que Ronnie Von apresenta no CNT/Gazeta, afirma que já está cansado de chamar grandes estrelas como o padre Marcelo, que nunca aceita os convites para participar da atração: "Talvez a gente seja muito pouco para eles. Mas a realidade é que as gravadoras manipulam mesmo, faz parte do jogo de divulgação dos artistas. Opto, então, por trazer gente boa que não está tão na mídia, como a cantora Fátima Guedes".
Para Leonor Corrêa, diretora do "Sem Limites pra Sonhar", comandado por Fábio Jr. na Record, essa imposição das gravadoras dá certo porque um artista do porte do É o Tchan eleva o ibope. "Querendo ou não, nossa função é dar audiência. Claro que tentamos ser diferentes das outras atrações, mas nomes como Elba Ramalho e Ivete Sangalo são sucesso garantido, e as gravadoras aproveitam isso, claro".
No caso dos líderes do Ibope, a história é outra. Em geral, são eles que decidem quem querem levar a seu programa, como acontece com o "Domingo Legal", do SBT, e o "Faustão", da Globo.
"Os divulgadores ficam no meu pé, mas eu é que escolho quem se apresenta aqui. A concorrência é violenta e só dá para chamar quem é quente, como Reginaldo Rossi. Às vezes ajudo um amigo, mas é raro", diz Roberto Manzoni, diretor do "Domingo Legal" e "Sabadão".
Alberto Luchetti, diretor do "Domingão do Faustão", vai mais longe e diz que "ou fica refém da gravadora ou parte para algo diferente": "Só quem tem coragem chama o Quarteto em Cy e o MPB4, que há muito não aparecem, como eu fiz. E deu audiência. Música, na verdade, não dá ibope, só se você bolar um quadro fora do feijão-com-arroz".
Responsável em grande parte pelo "descobrimento" do padre Marcelo, Luchetti diz: "Desde que o padre virou popstar, ele não pisa aqui. Para cantar, chamo gente com voz melhor. Já abri mão do Ricky Martin por que não era exclusivo. Se não for assim, não vale a pena. É o que faremos com a Mariah Carey".



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