|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARROZ-DE-FESTA
Artistas como padre Marcelo Rossi e É o Tchan aparecem mais de 50 vezes na TV em dois meses, expondo a pressão das gravadoras para divulgá-los
Vendedores de CD invadem a televisão
Folha Imagem
|
Padre Marcelo Rossi durante gravação do 'Amigos & Amigos', da Globo, ao lado de Chitãozinho (à esq.) e Zezé Di Camargo (à dir.) |
ERIKA SALLUM
da reportagem local
R ESPONDA rápido: quem é Maurício Manieri? Se você não sabe, sua
TV provavelmente deve estar quebrada.
O cantor, intérprete de sucessos como
"Minha Menina" e "Bem Querer", apareceu nas últimas três semanas em mais
de 14 programas de TV, incluindo os de
Xuxa, Raul Gil, Fábio Jr., Gugu e Eliana.
Manieri é apenas um exemplo de uma
prática cada vez mais comum na TV brasileira. Para promover seus discos, as
gravadoras elaboram um esquema voraz
de divulgação, condensando em algumas semanas a ida de cantores e bandas
a todos os programas. O resultado é uma
saturação sem limites para o telespectador, que passa a ver as mesmas atrações
na Globo, Record, SBT, CNT etc.
De axé a pagode, de música romântica
às louvações a Jesus, ninguém escapa das
gravadoras, mas nenhuma banda ou
cantor supera o carismático padre Marcelo Rossi. Desde o início de outubro,
quando ocorreu o lançamento de seu
disco "Um Presente para Jesus", ele já
apareceu 92 vezes na TV, só no Rio e no
Estado de São Paulo -somando mais de
24 horas no ar, se for considerado que,
em cada uma dessas aparições, ele fica
cerca de 16 minutos na telinha.
Outro campeão da TV, o É o Tchan pôde ser visto mais de 50 vezes no mesmo
período, seguido de Paulo Ricardo, que
já fez mais de 45 participações em programas desde outubro. A eles, somam-se
Daniel (27 aparições nos últimos dois
meses), Maurício Mattar (16 aparições
desde 19 de outubro), Kiloucura (mais de
14 aparições neste mês) e Falcão (12 aparições em 20 dias), só para citar alguns
nomes de peso.
E não há restrição a nenhum tipo de
programa. Entre os mais "visitados", estão o "H", da Bandeirantes, o "Programa
Raul Gil", da Record, o "Programa Livre" e o "Domingo Legal", do SBT, e o
"Ligação", da CNT/Gazeta.
Na guerra pela audiência, não é somente o espectador que sofre. Os diretores e produtores de TV têm de se desdobrar para conseguir que um artista do
porte de Daniel, por exemplo, vá a seu
programa, principalmente se a atração
não for um "Faustão" ou "Domingo Legal", líderes no Ibope.
"A gente acaba ficando nas mãos das
gravadoras. É superchato, porque, quando vem um desses artistas, em geral ele
está em todos os outros canais e até nos
programas da nossa própria emissora.
Os Raimundos, por exemplo, apareceram aqui e no "Programaço", da Band, no
mesmo dia e horário", diz Renata Neto,
diretora do "Zapping", da Record.
Para tentar burlar esse esquema, a diretora aproveita que o programa não é feito ao vivo e muitas vezes guarda reportagens com cantores para exibir mais tarde, quando eles não estão tão em evidência nos outros canais: "O que vale é a
criatividade. Não dá para colocar o cara
apenas cantando, fica igual a todo mundo. Por isso levamos o artista para uma
academia, para a rua etc.".
Ela conta que a Record vai tentar, no
próximo ano, armar um esquema com
as gravadoras para evitar que um músico
participe de mais de um programa da
emissora na mesma semana.
Valdemyr Fernandes, diretor do "Mãe
de Gravata", programa que Ronnie Von
apresenta no CNT/Gazeta, afirma que já
está cansado de chamar grandes estrelas
como o padre Marcelo, que nunca aceita
os convites para participar da atração:
"Talvez a gente seja muito pouco para
eles. Mas a realidade é que as gravadoras
manipulam mesmo, faz parte do jogo de
divulgação dos artistas. Opto, então, por
trazer gente boa que não está tão na mídia, como a cantora Fátima Guedes".
Para Leonor Corrêa, diretora do "Sem
Limites pra Sonhar", comandado por
Fábio Jr. na Record, essa imposição das
gravadoras dá certo porque um artista
do porte do É o Tchan eleva o ibope.
"Querendo ou não, nossa função é dar
audiência. Claro que tentamos ser diferentes das outras atrações, mas nomes
como Elba Ramalho e Ivete Sangalo são
sucesso garantido, e as gravadoras aproveitam isso, claro".
No caso dos líderes do Ibope, a história
é outra. Em geral, são eles que decidem
quem querem levar a seu programa, como acontece com o "Domingo Legal",
do SBT, e o "Faustão", da Globo.
"Os divulgadores ficam no meu pé,
mas eu é que escolho quem se apresenta
aqui. A concorrência é violenta e só dá
para chamar quem é quente, como Reginaldo Rossi. Às vezes ajudo um amigo,
mas é raro", diz Roberto Manzoni, diretor do "Domingo Legal" e "Sabadão".
Alberto Luchetti, diretor do "Domingão do Faustão", vai mais longe e diz que
"ou fica refém da gravadora ou parte para algo diferente": "Só quem tem coragem chama o Quarteto em Cy e o MPB4,
que há muito não aparecem, como eu fiz.
E deu audiência. Música, na verdade,
não dá ibope, só se você bolar um quadro fora do feijão-com-arroz".
Responsável em grande parte pelo
"descobrimento" do padre Marcelo, Luchetti diz: "Desde que o padre virou
popstar, ele não pisa aqui. Para cantar,
chamo gente com voz melhor. Já abri
mão do Ricky Martin por que não era exclusivo. Se não for assim, não vale a pena.
É o que faremos com a Mariah Carey".
Texto Anterior: Canal Multishow mutila ópera Próximo Texto: Padre Marcelo é o astro do final de ano Índice
|