São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

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Gerações diferentes

Jovens motoristas utilizam, não só em ocasiões especiais, carros com mais idade que eles próprios

Júlia Moraes/Folha Imagem
Guilherme do Val Sella ganhou um Kharmann-Ghia de seu pai quando fez 18 anos


CELSO DE CAMPOS JR.
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Eles eram os donos da festa há algumas décadas. Com seus motores barulhentos e suas cores extravagantes, os possantes dos anos 60 e 70 faziam a cabeça da moçada "pra frentex" da Jovem Guarda, tornando-se símbolo de uma geração movida pelo "ieieiê".
Pois hoje os rebeldes da época viraram simpáticos tiozinhos, e seus venerados carros nem de longe podem ser considerados mais tão possantes.
Mesmo assim, as "carangas" de outrora ainda continuam sendo a coqueluche de uma nova geração de motoristas.
São jovens que, na faixa dos 20 e alguns anos, rodam em carros que têm mais tempo de asfalto que eles próprios têm de vida. Atraídos pelo fascínio de uma época para lá de romântica, dirigem, no século 21, carros que a maioria dos contemporâneos considera velharia -mas que ainda servem para impressionar os "brotinhos".
Afinal, o que pode ser mais charmoso do que levar sua garota ao zoológico a bordo de um Karmann-Ghia vermelho? Essa é apenas uma das histórias do médico Guilherme do Val Sella, 28, proprietário desde os 18 anos de um modelo 1966.
Pouco a pouco, Sella garimpou peças e refez a pintura para devolver ao Karmann-Ghia seu estado de originalidade -certificado pelas placas pretas. "Nem gosto de escutar propostas de compra para não ouvir uma irrecusável e vender."

Eu sou terrível
Estar a bordo de um antigo é o caminho mais curto para ser o centro das atenções, sentencia o cabeleireiro Carlos Gaglia Júnior, 26, dono de um Volkswagen Fusca 1965 boa-pinta.
"Um dos moradores mais ricos de Araçatuba [530 km a noroeste de São Paulo] tinha comprado um Jaguar e foi desfilar. Era um Jaguar prata, lindo. Mas, quando entrei na rua com um Fusca conversível, o Jaguar sumiu. Só deu o Fuscão."
Contudo, se o charme dos possantes é uma "brasa, mora!", seus quilômetros rodados podem ser um tremendo problema. "Esses carros têm 30 anos, sofrem demais com os buracos. E é difícil achar peças para o conserto", constata.
Não à toa, o cabeleireiro mantém um Chevrolet Celta para o serviço pesado -assim como Sella, que deixa a sujeira para seu Ford Focus e economiza o mimado Karmann-Ghia para ocasiões especiais.
Mas tem gente que, mesmo podendo bancar apenas um carro, rende-se ao encanto dos antigos -ainda que precise ficar a pé de vez em quando. É o caso do estudante Argos Silva Giampietro, 25, dono de um Ford Maverick 1979.
"Nos últimos 12 meses, quebrou quatro vezes, mesmo depois de ficar meses no mecânico para trocar quase tudo. Quem tem um antigo está preparado, então dá para perdoar."
O estudante não raro precisa parar o carro para saciar a curiosidade de terceiros -entre eles, um policial em serviço.
"Ele me mandou encostar e pediu os documentos. Depois, confessou que só queria dar uma olhada no carro porque era fã dos antigos. E começou a contar histórias de seu Opalão", diverte-se.
O Maverick é o primeiro carro de Giampietro, que tem uma teoria papo-firme para justificar a escolha.
"Meu dinheiro dava para comprar um Maverick ou um Palio velho. Se ficasse com o Palio, teria, em cinco anos, um Palio ainda mais velho. Já o Maverick vai ser sempre um Maverick. Mesmo com todos os problemas, pretendo ficar com ele enquanto puder." Ou até que o ferro-velho os separe.


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