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Ilustre desconhecida
Motorista desconhece multas como molhar pedestres, inflação difícil de ser fiscalizada
Renato Stockler/Folha Imagem
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Sem gasolina, Karina Sayuri Okamoto poderia ter sido multada |
CELSO DE CAMPOS JR.
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Empolgada com a aquisição
de seu Ford Fiesta, a estudante
Karina Sayuri Okamoto, 20, rodou, rodou, até acabar a gasolina. A jovem ficou parada em
plena Anchieta, vítima de pane
seca. "O carro novinho, tão lindo. Tudo o que queria era andar
para sempre com ele. Nem me
lembrei do combustível."
Apesar do constrangimento
de ser rebocada pela seguradora, a motorista pode dizer que
teve sorte. Deixar o veículo
imobilizado em via pública por
falta de combustível, de acordo
com o artigo 180 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro), é
uma infração média, que soma
quatro pontos na carteira de
habilitação e multa de R$ 85,13.
"Isso eu não sabia", revela.
Okamoto não está sozinha.
Em vigor desde 1998, o CTB
ainda é um mistério para grande parte dos motoristas que,
diariamente, infringem inúmeras determinações sem nem sequer suspeitar. Decifrar os artigos da lei, modificados constantemente por resoluções
-mais de 200 depois da promulgação-, é tarefa árdua. Inclusive para os fiscalizadores.
"A cada nova turma de policiais que treino, tenho a mesma
percepção: eles trabalham no
escuro", afirma o tenente Julyver Modesto de Araújo, da Polícia Militar de São Paulo, especialista em policiamento de
trânsito urbano. "Se nem a fiscalização consegue acompanhar a legislação que se altera, o
que dizer da população?"
Atualmente, existem no CTB
242 infrações passíveis de multa. A cada página do código, o
motorista se surpreende.
Caixinha de surpresa
A subjetividade de alguns artigos também chama a atenção.
"Muitas vezes, não é tão simples estabelecer o que pode ou
não. O CTB proíbe o calçado
que comprometa a utilização
dos pedais. Mas uma coisa é o
guarda que não usa salto alto
tentar usá-lo, e outra é a modelo acostumada às plataformas",
afirma o advogado Marcelo
José Araújo, professor de direito de trânsito da Faculdade
de Direito de Curitiba.
Há outras determinações
inusitadas. Passar de propósito
com o carro sobre poça d'água
para molhar pedestres ou outros veículos é infração média,
assim como não manter a distância lateral de 1,50 m ao ultrapassar uma bicicleta. "A fiscalização, nesses casos, é inviável", sentencia Araújo.
Tanto é inviável que, em São
Paulo, a Companhia de Engenharia de Tráfego, responsável
pela fiscalização na esfera municipal, não está preparada para autuar essas e algumas outras infrações. De acordo com a
assessoria de imprensa do órgão, os agentes se concentram
nas infrações de segurança, como excesso de velocidade.
Conforme os fiscais recebem
treinamento, são liberados os
"códigos de enquadramento"
para aplicação de mais multas.
O tenente Araújo culpa a
abrangência do CTB. "É possível enxugá-lo. O zelo dos legisladores fez com que fossem
criadas infrações sem a mínima
possibilidade de fiscalização",
afirma. "E, quando os artigos
não são conhecidos e respeitados pelos motoristas nem são
objeto de fiscalização, o código
entra em descrédito."
A solução precisaria passar
pelo Legislativo, pois o Contran
(Conselho Nacional de Trânsito) apenas regulamenta tecnicamente os artigos por meio
das resoluções. "A revisão do
código cabe ao Congresso", explica Alfredo Peres da Silva,
presidente do Contran.
E aí resida, talvez, o maior
dos problemas. "A maioria dos
projetos de lei pretende somar
artigos ao código, e não consertá-lo", lamenta o tenente.
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