São Paulo, domingo, 18 de fevereiro de 2007

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Ilustre desconhecida

Motorista desconhece multas como molhar pedestres, inflação difícil de ser fiscalizada

Renato Stockler/Folha Imagem
Sem gasolina, Karina Sayuri Okamoto poderia ter sido multada


CELSO DE CAMPOS JR.
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Empolgada com a aquisição de seu Ford Fiesta, a estudante Karina Sayuri Okamoto, 20, rodou, rodou, até acabar a gasolina. A jovem ficou parada em plena Anchieta, vítima de pane seca. "O carro novinho, tão lindo. Tudo o que queria era andar para sempre com ele. Nem me lembrei do combustível."
Apesar do constrangimento de ser rebocada pela seguradora, a motorista pode dizer que teve sorte. Deixar o veículo imobilizado em via pública por falta de combustível, de acordo com o artigo 180 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro), é uma infração média, que soma quatro pontos na carteira de habilitação e multa de R$ 85,13. "Isso eu não sabia", revela.
Okamoto não está sozinha. Em vigor desde 1998, o CTB ainda é um mistério para grande parte dos motoristas que, diariamente, infringem inúmeras determinações sem nem sequer suspeitar. Decifrar os artigos da lei, modificados constantemente por resoluções -mais de 200 depois da promulgação-, é tarefa árdua. Inclusive para os fiscalizadores.
"A cada nova turma de policiais que treino, tenho a mesma percepção: eles trabalham no escuro", afirma o tenente Julyver Modesto de Araújo, da Polícia Militar de São Paulo, especialista em policiamento de trânsito urbano. "Se nem a fiscalização consegue acompanhar a legislação que se altera, o que dizer da população?"
Atualmente, existem no CTB 242 infrações passíveis de multa. A cada página do código, o motorista se surpreende.

Caixinha de surpresa
A subjetividade de alguns artigos também chama a atenção. "Muitas vezes, não é tão simples estabelecer o que pode ou não. O CTB proíbe o calçado que comprometa a utilização dos pedais. Mas uma coisa é o guarda que não usa salto alto tentar usá-lo, e outra é a modelo acostumada às plataformas", afirma o advogado Marcelo José Araújo, professor de direito de trânsito da Faculdade de Direito de Curitiba.
Há outras determinações inusitadas. Passar de propósito com o carro sobre poça d'água para molhar pedestres ou outros veículos é infração média, assim como não manter a distância lateral de 1,50 m ao ultrapassar uma bicicleta. "A fiscalização, nesses casos, é inviável", sentencia Araújo.
Tanto é inviável que, em São Paulo, a Companhia de Engenharia de Tráfego, responsável pela fiscalização na esfera municipal, não está preparada para autuar essas e algumas outras infrações. De acordo com a assessoria de imprensa do órgão, os agentes se concentram nas infrações de segurança, como excesso de velocidade.
Conforme os fiscais recebem treinamento, são liberados os "códigos de enquadramento" para aplicação de mais multas.
O tenente Araújo culpa a abrangência do CTB. "É possível enxugá-lo. O zelo dos legisladores fez com que fossem criadas infrações sem a mínima possibilidade de fiscalização", afirma. "E, quando os artigos não são conhecidos e respeitados pelos motoristas nem são objeto de fiscalização, o código entra em descrédito."
A solução precisaria passar pelo Legislativo, pois o Contran (Conselho Nacional de Trânsito) apenas regulamenta tecnicamente os artigos por meio das resoluções. "A revisão do código cabe ao Congresso", explica Alfredo Peres da Silva, presidente do Contran.
E aí resida, talvez, o maior dos problemas. "A maioria dos projetos de lei pretende somar artigos ao código, e não consertá-lo", lamenta o tenente.


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