São Paulo, domingo, 19 de abril de 2009

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Meu carro, minha casa

Baterista transforma Doblò em estúdio, e Fusca 67 vira guarita no interior de SP

FELIPE NÓBREGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando comprou sua Fiat Doblò no ano passado, o profissional de informática Demian Quirino, 34, nem perguntou se a multivan tinha motor "flex".
A única preocupação dele era saber se, na parte traseira do carro, havia espaço para montar um miniestúdio, com suporte para a bateria eletrônica.
Cansado de ouvir reclamação de vizinhos do condomínio onde mora, na zona norte de São Paulo, Quirino resolveu ensaiar os batuques na garagem do prédio, trancado na Doblò.
"Todo dia toco de duas a três horas para relaxar. É um hobby antigo", diz Quirino, que sonha em ser músico profissional.
Como viaja com frequência -e a multivan é o seu principal meio de transporte-, ele conta que ensaia até mesmo em estacionamentos de hotéis.
Para o baterista, no entanto, o lugar mais inusitado em que ele e a Doblò fizeram um dueto foi no Rodoanel.
"O trânsito estava complemente parado. Então fui para o acostamento e fiquei tocando durante uma hora e meia até acabar o congestionamento. Eu era o único ali que não estava estressado", diz, orgulhoso, Quirino. Ele até rebate os bancos traseiros do carro-estúdio para acomodar um banquinho próprio de baterista.
Pedestais, pratos e bumbo ficam presos num suporte para não tombar em curvas.

Guarita
Estacionado numa rua pacata de um bairro nobre da cidade de Votuporanga (519 km a noroeste de São Paulo), um Fusca 1967 "azul-desbotado" chama mais atenção que os belos jardins floridos dos casarões.
Na cidade de 85 mil habitantes, são poucos os que conhecem a verdadeira história do Volkswagen Sedan de peças enferrujadas e pneus murchos.
A maioria que transita pela rua 8 de Agosto durante o dia deve bater os olhos no precário Fusquinha e imaginar que o automóvel fora abandonado.
Ledo engano. Há 12 anos, o carro é a guarita do simpático vigia noturno da rua, um senhor aposentado de 80 anos.
"Depois que o patrão [dono do carro] morreu, a esposa disse que eu poderia ficar no Fusca durante as noites de trabalho", conta ele, que, com sotaque caipira e jeito simplório, explica o próprio nome: "Isaac com "c" morto e Macedo no final".
O Fusca, que o vigia diz lavar uma vez por ano, ainda tem interior equipado. Entre os acessórios exclusivos, destaque para um coador de café e um saco com roupas de frio.
Macedo não tem carteira de habilitação e nunca ligou o veículo. "Eu só tenho a chave da porta. Não tenho a chave do motor [ignição]." Explica-se: até os anos 80, alguns carros tinham fecho diferente até para o tanque de combustível.
"Sem poder funcionar, o motor "secou", e o pneu se "desborrachou" [sic] todo", diz.
Com um celular "tijolão" e um canivete de bolso -impecavelmente afiado para descascar laranja-, o vigia conta com altivez que já evitou um assalto. "Liguei para a polícia, que correu e pegou os marginais."
Segundo ele, a intervenção mais apreciada pelos moradores da rua é outra. "Se percebo algum espertinho estacionando o carro ali no escuro para se aproveitar das meninas, logo boto o fulano para correr. Sem-vergonhice, aqui, não!"


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