São Paulo, sábado, 11 de abril de 2009

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MARIA INÊS DOLCI [defesa do consumidor]

"SPREAD" OU DESENVOLVIMENTO?


O consumidor paga muito caro por produtos não tão desenvolvidos porque contribui para os balanços bilionários dos banqueiros


TENTE IMAGINAR uma montanha formada por R$ 134,5 bilhões. Ou o que é possível comprar com todo esse dinheiro. É difícil até em sonho, não?
O valor se refere a quanto o "spread" bancário custou a pessoas físicas e a empresas em 2008. O que, segundo a Federação do Comércio do Estado de São Paulo, equivale a quatro vezes o que foi investido na educação, também no ano passado.
Não vou entrar na discussão sobre os riscos dos empréstimos no Brasil, sobre o quanto os calotes, os impostos e o compulsório retido no Banco Central influenciam esse "spread", ou seja, a diferença entre o que os bancos pagam pelo dinheiro e o quanto cobram para emprestá-lo. Isso, tenho certeza, será esgotado até hoje em debates na mídia.
A discussão tem que ser mais ampla, visando ao que pretendemos ser como nação. Viveremos com as migalhas que sobram do sistema financeiro, ou investiremos seriamente em educação, saúde, segurança, habitação, pesquisa e ambiente?
Continuaremos a acompanhar cada suspiro das bolsas e das reuniões do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central, ou nos dedicaremos a reduzir a miséria e a pobreza, oferecendo estudo e emprego para milhões de jovens?
Hoje, o financiamento de nossas compras retira bilhões de outras áreas de nossas vidas. Os bancos lucram bilhões nessas operações, quando deveriam correr o risco na produção de bens e serviços, compartilhando-os com as empresas.
Capital financeiro hipertrofiado é sinônimo de produção estagnada ou com baixo índice de crescimento. Parte do que deveria ser empregado no desenvolvimento de produtos mais avançados, com menor impacto ambiental, acomoda-se em berço esplêndido nos cofres dos bancos.
Resultado: continuamos a consumir um combustível repleto de chumbo, um exemplo do quanto nosso consumo dista das práticas mais avançadas.
Nossos alimentos são mal rotulados e, em alguns casos, usam aditivos proibidos em outros países.
Somente agora equipamentos de segurança veicular, como os airbags, serão obrigatórios.
O consumidor paga muito caro por produtos não tão desenvolvidos porque contribui para os balanços bilionários dos banqueiros.
É irônico que o "spread" seja justificado pelo risco da falta de pagamento, quando se sabe que, quanto mais juros embutidos em um empréstimo, maior a possibilidade de que ele não seja honrado no prazo.
O Brasil dos próximos 20 anos é desenhado hoje, enquanto se lê este texto. O sucesso do projeto de nação depende das prioridades e do rumo que definirmos agora.
Seremos a pátria do capital financeiro ou um país desenvolvido em todos os aspectos? Enquanto a educação receber um quarto do que é embolsado pelo "spread", seremos um país do futuro, não do presente.
Precisaremos de bolsas disso e daquilo, porque os mais pobres continuarão alijados das oportunidades de emprego e ascensão social.


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