|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MARIA INÊS DOLCI [defesa do consumidor]
PONTO EXTRA E JUROS SOBRE JUROS
Decisões foram tomadas por aqueles a quem recorremos quando nossos direitos são solapados.Vamos pedir ajuda ao lobo; os carneiros estão nos tosquiando
A CRIAÇÃO das agências reguladoras de serviços de interesse
público tinha tudo para dar
certo. Afinal, com as privatizações
de serviços como telecomunicações
e energia elétrica, seria fundamental
equilibrar o jogo do mercado para
não deixar o consumidor à mercê de
megacorporações.
Mas quem poderia prever que essa idéia, originalmente boa, geraria
filhotes como a Anatel, a pretensa
Agência Nacional de Telecomunicações? Que decidiu prorrogar por
dois meses algo já decidido e definitivo, a proibição da cobrança do ponto extra da TV por assinatura.
Lei, no Brasil, só vale se tudo ficar
como está, sem contrariar interesses, pois manda quem pode, obedece
quem tem juízo.
A Anatel, a agência que ama as teles, as operadoras de telefonia, de
banda larga e de TV por assinatura,
contudo, foi longe demais. Suspendeu a cobrança do ponto extra por
60 dias, depois abrirá "consulta pública" sobre a polêmica questão.
Transformou um direito em assunto discutível e passível de revogação.
Direito esse que consta do Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços
de Televisão por Assinatura.
Ora, até no jogo do bicho vale o
que está escrito. Até no submundo
há normas, padrões e acordos a serem respeitados.
Se o motivo do recuo foi a contradição entre aspectos do regulamento, o mais justo seria simplesmente
corrigi-los, e não rediscutir o assunto, com notória chance de perdas para o consumidor.
Aliás, como podem os especialistas de um agência de telecomunicações vetar a cobrança do ponto extra
e, ao mesmo tempo, permitir a taxa
de manutenção?
Apesar de ganhar uma batalha já
perdida, as operadoras de TV por assinatura simplesmente suspenderam a instalação de pontos extras,
enquanto não puderem cobrar por
eles. Vai acontecer alguma coisa
com elas? Talvez a Anatel peça para
elas não ficarem irritadas, se desculpe e reduza o prazo de 60 dias.
O consumidor só tem levado pancada nos últimos meses. O Superior
Tribunal de Justiça decidiu que é legal cobrar juros sobre juros em contratos de cartões de crédito. Ou seja,
o único cassino proibido no Brasil é
aquele que gera empregos, paga impostos e movimenta o turismo. Os
caça-níqueis dos bancos e das operadoras de cartões de crédito estão
liberados, chancelados e podem
funcionar em paz.
Teremos que reconsiderar as
acepções da palavra agiota no dicionário. Por tabela, eles foram absolvidos com essa decisão. Se os cartões
de crédito podem aplicar juros sobre
juros, por que o "financista" informal não pode extorquir os clientes?
Interessante que as duas decisões
sobre ponto extra e juros sobre juros
foram tomadas por aqueles a quem
recorremos quando nossos direitos
são solapados. Com essas medidas,
bem, vamos pedir ajuda ao lobo,
porque os carneiros estão nos tosquiando.
No Brasil, gostemos ou não, quem
cobra por ponto extra e aplica juros
sobre juros tem cem anos de perdão.
Ponto final.
Texto Anterior: Dúvida éticas: Qual a maneira ecológica de fazer a barba: com aparelho elétrico ou manual? Próximo Texto: Crítica de loja: Samba de uma calça só Índice
|