São Paulo, sábado, 14 de junho de 2008

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MARIA INÊS DOLCI [defesa do consumidor]

PONTO EXTRA E JUROS SOBRE JUROS

Decisões foram tomadas por aqueles a quem recorremos quando nossos direitos são solapados.Vamos pedir ajuda ao lobo; os carneiros estão nos tosquiando

A CRIAÇÃO das agências reguladoras de serviços de interesse público tinha tudo para dar certo. Afinal, com as privatizações de serviços como telecomunicações e energia elétrica, seria fundamental equilibrar o jogo do mercado para não deixar o consumidor à mercê de megacorporações.
Mas quem poderia prever que essa idéia, originalmente boa, geraria filhotes como a Anatel, a pretensa Agência Nacional de Telecomunicações? Que decidiu prorrogar por dois meses algo já decidido e definitivo, a proibição da cobrança do ponto extra da TV por assinatura.
Lei, no Brasil, só vale se tudo ficar como está, sem contrariar interesses, pois manda quem pode, obedece quem tem juízo.
A Anatel, a agência que ama as teles, as operadoras de telefonia, de banda larga e de TV por assinatura, contudo, foi longe demais. Suspendeu a cobrança do ponto extra por 60 dias, depois abrirá "consulta pública" sobre a polêmica questão. Transformou um direito em assunto discutível e passível de revogação. Direito esse que consta do Regulamento de Proteção e Defesa dos Direitos dos Assinantes dos Serviços de Televisão por Assinatura.
Ora, até no jogo do bicho vale o que está escrito. Até no submundo há normas, padrões e acordos a serem respeitados.
Se o motivo do recuo foi a contradição entre aspectos do regulamento, o mais justo seria simplesmente corrigi-los, e não rediscutir o assunto, com notória chance de perdas para o consumidor.
Aliás, como podem os especialistas de um agência de telecomunicações vetar a cobrança do ponto extra e, ao mesmo tempo, permitir a taxa de manutenção?
Apesar de ganhar uma batalha já perdida, as operadoras de TV por assinatura simplesmente suspenderam a instalação de pontos extras, enquanto não puderem cobrar por eles. Vai acontecer alguma coisa com elas? Talvez a Anatel peça para elas não ficarem irritadas, se desculpe e reduza o prazo de 60 dias.
O consumidor só tem levado pancada nos últimos meses. O Superior Tribunal de Justiça decidiu que é legal cobrar juros sobre juros em contratos de cartões de crédito. Ou seja, o único cassino proibido no Brasil é aquele que gera empregos, paga impostos e movimenta o turismo. Os caça-níqueis dos bancos e das operadoras de cartões de crédito estão liberados, chancelados e podem funcionar em paz.
Teremos que reconsiderar as acepções da palavra agiota no dicionário. Por tabela, eles foram absolvidos com essa decisão. Se os cartões de crédito podem aplicar juros sobre juros, por que o "financista" informal não pode extorquir os clientes?
Interessante que as duas decisões sobre ponto extra e juros sobre juros foram tomadas por aqueles a quem recorremos quando nossos direitos são solapados. Com essas medidas, bem, vamos pedir ajuda ao lobo, porque os carneiros estão nos tosquiando.
No Brasil, gostemos ou não, quem cobra por ponto extra e aplica juros sobre juros tem cem anos de perdão. Ponto final.


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