São Paulo, sábado, 15 de novembro de 2008

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MARIA INÊS DOLCI [defesa do consumidor]

LAURA E O 13º


Corta essa, Inês. Não sou mais a mesma... Levo uma vida monástica. Não compro sapato há... duas semanas

O 13º SALÁRIO ESTÁ CHEGANDO para milhões de brasileiros. Uma boa notícia no país dos baixos salários, que aditiva as compras de Natal e Ano Novo. Quando lembrei disso, imediatamente liguei para Laura. E-mail seria pouco para uma conversa séria.
- Alô, Laura, como vai?
- Bem, e você?
- Também, obrigada! Já fez sua lista de Natal?
- Sim, mas diga logo que devo guardar uma parte do 13º para pagar contas, acabar com dívidas do cartão, do cheque especial. E separar algo para a volta das férias, com IPTU, IPVA, material escolar etc.
- Calma, Laura. Não liguei para dar uma lição de moral. É que você, bem, tem certa tendência ao consumo exagerado. Compra por impulso, às vezes não calcula bem. E as dívidas aparecem, meio por milagre.
- Corta essa, Inês. Já não sou mais a mesma. Faço pesquisa de preços. Tenho um arquivo com as contas de cada mês. E subtraio sempre, do salário líquido, o que já terei de pagar nos próximos 30 dias.
- Muito bem! Aprendeu a se controlar, hein?
- Mais que isso. Estou levando vida monástica. Trabalho e mais trabalho. Economia, controle de gastos. Não compro um sapato há...
- Já sei, há uns três meses.
- Não exagere, Inês. Ficou louca? Há mais de duas semanas.
- Bem, Laura, isso não chega a ser uma vida sem consumo...
- No final de semana, passei até a cozinhar, quer dizer, o meu marido tem cozinhado, para não torrar tudo com restaurantes caros.
- É, às vezes temos que economizar um pouco, Laura.
- Bem, já refiz minha lista de Natal. Contando a família, amigos e colegas, serão cem presentes.
- Cem? Queimará todo seu 13º!
- Não, você não entendeu. Sem com "esse". Nada de presente. Tenho dois cartões e um empréstimo para zerar. Não vai sobrar nada.
- Calma, Laura, respire fundo. Por que você não faz um bazar, para vender sapatos, roupas, perfumes que nunca usou, objetos de decoração? Com o dinheiro obtido, poderá comprar alguns presentes novos.
- A idéia é boa! Vou já separar sapatos, roupas, bolsas, perfumes... Vou vender tudo.
Sete dias depois, liguei para Laura.
- E aí? Fez o bazar?
- Fiz.
- Vendeu?
- Tudo.
- Por que o mau humor? Arrecadou pouco?
- Não, consegui uns R$ 3.000.
- Comprou os presentes?
- Não, sabe como é. O guarda-roupa ficou vazio. Não tenho nada que combine. Fui obrigada a fazer umas compras. Roupas, bolsas, cintos, perfumes, acessórios.
- Bem, ao menos você deve ter comprado à vista.
- Quase. Agora tenho uma nova dívida. Mas só começarei a pagar em janeiro. Até lá, resolverei isso.
Desliguei. Falar o quê? Quando a encontrei, por acaso, no banco, ela estava radiante, pois teve, segundo disse, "uma idéia brilhante".
- Vou escrever ao Obama, aos presidentes europeus, ao FMI. Eles deram vários trilhões a tubarões financeiros e a empresários incompetentes. Por que não para mim?

http://mariainesdolci.folha.blog.uol.com.br


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