São Paulo, sábado, 21 de novembro de 2009

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CAPA/COMIDA MAQUIADA

Para comer com os olhos

Segundo o instituto de Defesa do Consumidor, fotos são publicidade enganosa; fabricantes afirmam que mostram a verdade

Divulgação


DÉBORA MISMETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

É um choque de realidade preparar uma lasanha congelada no micro-ondas. Enquanto a foto da caixa mostra uma massa firme, com queijo derretido na medida certa, a que sai do forno parece ter sido arremessada contra uma parede. Mas será que é mesmo um choque ou todo mundo já se acostumou a ser enganado?
O Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) fez um levantamento comparando as imagens apresentadas nas embalagens e a real aparência de alguns alimentos industrializados. Entraram no estudo comida pronta e congelada, vendida no supermercado, e pratos de restaurantes de fast food. Os congelados foram preparados pelos técnicos seguindo as instruções das embalagens.
Os pesquisadores encontraram cookies da Bauducco com muito menos gotinhas de chocolate do que a embalagem promete, biscoito wafer Mabel bem mais pálido do que no rótulo, pizza congelada da Sadia com menos azeitonas e queijo do que na imagem da caixa, panetone da Village com falta de chocolate, polpetone da rede de fast food Spoleto espatifado no molho, sanduíche mirrado no McDonald's e esfiha do Habib's recheada com carne bem menos corada do que a do cartaz.
De acordo com o entendimento do Idec, mesmo havendo na embalagem o alerta de que as imagens são "meramente ilustrativas", as fotografias manipuladas ferem os direitos do consumidor.
"As mensagens passadas por essas fotos não correspondem à realidade, o que pode vir a configurar propaganda enganosa, de acordo com o artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor", diz Marcos Diegues, assessor jurídico do Idec.

Realidade aumentada
Para os fabricantes, é claro, as coisas não são tão simples. A Mabel diz que o tom marrom forte do chocolate que aparece na embalagem do biscoito wafer é um padrão de cor usado pela indústria. "É como um recheio de limão, que sempre aparece verde, mas é branco. Nunca tivemos reclamações disso", diz a gerente de marketing, Marcela Andrade. "Não se pode colocar uma imagem totalmente falsa no pacote. A base é o produto. Mas a ilustração, as cores, deixam [a embalagem] um pouco mais apresentável", afirma Marcela, da Mabel. No caso do biscoito wafer, ela explica que a casquinha foi fotografada e que o recheio é uma ilustração realçada por uma lupa, recurso gráfico que explicaria ao consumidor que aquilo é uma "realidade aumentada".
O vice-presidente da empresa que controla a rede Spoleto afirma que os produtos fotografados para os cartazes dos restaurantes são os mesmos vendidos aos consumidores. Mas admite que a produção fotográfica cria diferenças. "No começo, só fotografávamos o produto mesmo, sem produção. Depois, começamos a dar mais "sex appeal", a colocar diretor de arte, luz bacana. Claro que não vou pôr o molho respingado na foto. Afinal, uma mulher põe maquiagem para ir à festa, não?", diz Eduardo Ourivio, da Spoleto.
Não necessariamente, de acordo com a designer de embalagens Gisela Schulzinger, professora da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing). Ela diz que, por muitos anos, a prática foi mesmo de supervalorizar as características dos produtos.
Partindo de uma foto real, os designers aumentam a maciez do pãozinho, incrementam o recheio da bolacha e deixam o queijo bem mais suculento.
Os recursos de edição digital de imagens, que se popularizaram a partir dos anos 90, facilitaram a manipulação de fotos, permitindo a criação de efeitos de profundidade. "O recurso foi usado exageradamente, tanto que todo mundo ficou meio igual. Todos os biscoitos ficaram com um supervolume, pelo uso de 3-D", diz a designer.
Mas, para ela, a tendência do design de embalagem é ir na direção contrária. "O consumidor, hoje, em qualquer classe social, é muito esclarecido. As empresas entenderam que não se pode subestimar o conhecimento dele. A tentativa agora é de melhorar os produtos em si", diz Gisela.
Mas ainda há quem se esconda por trás dos avisos de que as imagens são ilustrativas. "Só que o consumidor não está para brincadeira. As pessoas se expressam muito mais. Com as redes sociais, as reclamações se alastram em segundos", afirma.


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