São Paulo, sábado, 22 de agosto de 2009

Próximo Texto | Índice

É drogaria ou supermercado?

Norma que limita itens à venda em farmácias mira consumismo e automedicação; para redes, consumidor também perde

Fernanda Guedes


DÉBORA MISMETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

O balcão com o farmacêutico e a parede de remédios ficou mais longe. Hoje, antes de chegar ao medicamento, é preciso atravessar prateleiras de cosméticos, suplementos nutricionais e itens de conveniência.
Resultado: em vez de sair da farmácia com uma caixa de remédio embrulhada em papel cor-de-rosa, a pessoa sai com a sacola de plástico lotada.
A aposentada paulistana Celia Lessa, 59, por exemplo. "Enquanto espero o balconista pegar os remédios, vejo pastilha de gengibre, presilha, xampu. No fim, gasto uma fábula." Quando viaja a Nova York, Celia diz que frequenta diariamente as megadrogarias locais, especialmente as da rede Duane Reade. "Lá, as farmácias vendem até leite condensado, brinquedo. E não fecham. Você compra por praticidade".
Um dos principais atrativos da compra em farmácia é mesmo a conveniência. As drogarias da avenida Paulista têm filas na hora do almoço. O gerente de sistemas Marco Quesada, 32, saiu de uma delas levando barra de proteína, água aromatizada, gel para dores e para massagem. "São coisas essenciais. Quando encontro tudo no mesmo lugar, compro logo."
As grandes redes de farmácia dão atenção especial a esse público, que faz compras justamente no setor da loja que dá mais lucro, o de não-medicamentos. O presidente da Abrafarma (entidade que reúne as grandes cadeias de farmácias no Brasil) diz que a concorrência na venda de remédios é muito grande, então a margem de lucro fica maior em outros produtos. Tanto que, mesmo representando 25% do volume de vendas, os não-medicamentos ocupam 75% do espaço de loja. "Quando os grandes magazines sumiram, os clientes foram para perfumarias, e as drogarias pegaram esse nicho", diz Sérgio Mena Barreto.
Esse tipo de consumismo faz parte de um movimento crescente de medicalização da sociedade, analisa o sociólogo Dario Caldas, do birô de tendências de comportamento Observatório de Sinais: "Há uma hipertrofia de todos os aspectos ligados à medicina: remédios, disfunções, nutrição, tudo o que envolve um imaginário médico." Por trás dessa tendência está uma preocupação maior com a autopreservação. "Nada mais premente do que preservar a própria vida diante de ameaças, como a crise econômica ou a gripe suína".
Nesta semana, foi publicada uma norma que define o que pode ou não ser vendido em farmácias. Sucos, balinhas, acessórios sem ligação direta com saúde e até água devem deixar as prateleiras em até seis meses, de acordo com a resolução da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Remédios vendidos sem receita vão para trás do balcão, com exceção dos que não oferecem risco, no entendimento da agência, como fitoterápicos ou água boricada. Itens de conveniência como pilhas, refrigerantes e comida vão ficar de fora.
A discussão levantada é: a farmácia é um local de comércio ou de saúde?


Próximo Texto: Vendendo saúde
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.