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ENTREVISTA
Não me engana, que eu não gosto
DÉBORA MISMETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
Ninguém mais dita o que você deve comprar. Empresas e
pretensos lançadores de moda
podem desistir, diz o sociólogo
Francesco Morace, presidente
do birô de tendências Future
Concept Lab, com sede em Milão e braços em 50 países.
Segundo a tese do italiano, o
consumidor agora se confunde
com um autor. Morace juntou
os dois no título de seu livro
"Consum-Autori", lançado
aqui como "Consumo Autoral"
(Ed. Estação das Letras e Cores,
R$ 58, 135 págs.).
Ser autor do consumo, para
Morace, é não aceitar passivamente o que é oferecido. O novo consumidor quer interferir,
criticar, manipular o que é
apresentado, assim como acontece hoje na internet, com os
recursos de web 2.0 que permitiram aos internautas sair da
condição de leitores para a de
disseminadores de conteúdo.
Morace detalha essa nova
atitude a partir de perfis divididos por faixa etária e identificados em pesquisa feita em 25
países (veja ao lado).
Todos esses perfis têm em
comum um espírito crítico capaz de desconstruir rapidamente os truques do marketing. Tanto que, em uma palestra na última quarta-feira, em
São Paulo, o sociólogo alertou
os empresários sobre os perigos do marketing viral -publicidade inserida em sites de relacionamento e de vídeos, camuflada como conteúdo gerado por usuários comuns.
"Isso
vai ser contraproducente. As
pessoas querem transparência." Leia a seguir a entrevista
do sociólogo à Folha.
FOLHA - Quem é esse novo consumidor-autor?
FRANCESCO MORACE - Uma pessoa que não é passiva, que compreende as qualidades dos produtos, a estética, o design, e decide melhor. Isso é possível hoje por causa das tecnologias que
permitem compartilhar conhecimento com outras pessoas.
FOLHA - Como esses novos hábitos
aparecem nos diferentes perfis traçados no seu livro?
MORACE - Há diferenças de
prioridades de consumo entre
as gerações. Os idosos priorizam serviços, turismo e cuidados com o corpo, por exemplo.
A partir dessas especificidades
temos comportamentos que se
tornam mais importantes para
todas as gerações, como a necessidade de convivência. O comer junto, em casa ou em restaurantes, por exemplo.
FOLHA - O mercado está pronto para esse consumidor-autor?
MORACE - Não. Só companhias
mais avançadas começaram a
mudar, a criar produtos de maneira diferente, ouvindo mais
os consumidores e permitindo
sua participação por meio de sites, salas de bate-papo.
FOLHA - As empresas devem se
abrir à opinião dos consumidores?
MORACE - Sim. Têm que ser
transparentes. As pessoas não
aceitam ter só o produto final,
ou a publicidade. Querem entender o processo de produção,
como o produto deve ser usado,
onde foi feito. Ser autêntico,
contar a história real, isso é a
mudança importante. Manipulação não é mais possível com o
consumidor-autor.
FOLHA - O consumidor-autor busca
individualidade no ato de comprar?
MORACE - Ele quer um produto
feito sob medida para ele.
FOLHA - Então estaríamos falando
de uma diversidade infinita de oferta. Mas temos hoje marcas mundiais, produção em escala global.
Como vê essa contradição?
MORACE - Isso pode ser um problema grande para empresas
que continuarem nesse modelo. É importante que o produto
tenha personalidade. O "design
thinking", a capacidade de criar
algo diferente usando o design,
é a direção a ser tomada. Isso
não é algo limitado ao consumidor que lança tendências. Se no
passado o design era importante só para esse tipo de pessoa,
5% da população, hoje todos os
consumidores-autores lançam
tendências, à sua maneira.
FOLHA - E quanto ao consumo dito
emocional?
MORACE - Faz parte do jogo. O
consumidor decide comprar de
forma emocional, mas depois
avalia preço, compara, cria critérios. Hoje, ele é mais um
comprador profissional. Sabe
exatamente o que compra e
quanto deve pagar. Ficou mais
complexo se comunicar com
ele. É difícil mantê-lo satisfeito.
FOLHA - A crise pode tornar o consumidor mais racionais?
MORACE - Ele vai reforçar comportamentos que já tinha antes. Quer emoção, mas agora
tem menos dinheiro. Então vai
investir em marcas que o ajudem a viver melhor. O que resume isso é "menos, mas melhor".
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