São Paulo, sábado, 23 de maio de 2009

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ENTREVISTA

Não me engana, que eu não gosto

DÉBORA MISMETTI
DA REPORTAGEM LOCAL

Ninguém mais dita o que você deve comprar. Empresas e pretensos lançadores de moda podem desistir, diz o sociólogo Francesco Morace, presidente do birô de tendências Future Concept Lab, com sede em Milão e braços em 50 países. Segundo a tese do italiano, o consumidor agora se confunde com um autor. Morace juntou os dois no título de seu livro "Consum-Autori", lançado aqui como "Consumo Autoral" (Ed. Estação das Letras e Cores, R$ 58, 135 págs.).
Ser autor do consumo, para Morace, é não aceitar passivamente o que é oferecido. O novo consumidor quer interferir, criticar, manipular o que é apresentado, assim como acontece hoje na internet, com os recursos de web 2.0 que permitiram aos internautas sair da condição de leitores para a de disseminadores de conteúdo.
Morace detalha essa nova atitude a partir de perfis divididos por faixa etária e identificados em pesquisa feita em 25 países (veja ao lado). Todos esses perfis têm em comum um espírito crítico capaz de desconstruir rapidamente os truques do marketing. Tanto que, em uma palestra na última quarta-feira, em São Paulo, o sociólogo alertou os empresários sobre os perigos do marketing viral -publicidade inserida em sites de relacionamento e de vídeos, camuflada como conteúdo gerado por usuários comuns.
"Isso vai ser contraproducente. As pessoas querem transparência." Leia a seguir a entrevista do sociólogo à Folha.

 

FOLHA - Quem é esse novo consumidor-autor?
FRANCESCO MORACE
- Uma pessoa que não é passiva, que compreende as qualidades dos produtos, a estética, o design, e decide melhor. Isso é possível hoje por causa das tecnologias que permitem compartilhar conhecimento com outras pessoas.

FOLHA - Como esses novos hábitos aparecem nos diferentes perfis traçados no seu livro?
MORACE
- Há diferenças de prioridades de consumo entre as gerações. Os idosos priorizam serviços, turismo e cuidados com o corpo, por exemplo. A partir dessas especificidades temos comportamentos que se tornam mais importantes para todas as gerações, como a necessidade de convivência. O comer junto, em casa ou em restaurantes, por exemplo.

FOLHA - O mercado está pronto para esse consumidor-autor?
MORACE
- Não. Só companhias mais avançadas começaram a mudar, a criar produtos de maneira diferente, ouvindo mais os consumidores e permitindo sua participação por meio de sites, salas de bate-papo.

FOLHA - As empresas devem se abrir à opinião dos consumidores?
MORACE
- Sim. Têm que ser transparentes. As pessoas não aceitam ter só o produto final, ou a publicidade. Querem entender o processo de produção, como o produto deve ser usado, onde foi feito. Ser autêntico, contar a história real, isso é a mudança importante. Manipulação não é mais possível com o consumidor-autor.

FOLHA - O consumidor-autor busca individualidade no ato de comprar?
MORACE
- Ele quer um produto feito sob medida para ele.

FOLHA - Então estaríamos falando de uma diversidade infinita de oferta. Mas temos hoje marcas mundiais, produção em escala global. Como vê essa contradição?
MORACE
- Isso pode ser um problema grande para empresas que continuarem nesse modelo. É importante que o produto tenha personalidade. O "design thinking", a capacidade de criar algo diferente usando o design, é a direção a ser tomada. Isso não é algo limitado ao consumidor que lança tendências. Se no passado o design era importante só para esse tipo de pessoa, 5% da população, hoje todos os consumidores-autores lançam tendências, à sua maneira.

FOLHA - E quanto ao consumo dito emocional?
MORACE
- Faz parte do jogo. O consumidor decide comprar de forma emocional, mas depois avalia preço, compara, cria critérios. Hoje, ele é mais um comprador profissional. Sabe exatamente o que compra e quanto deve pagar. Ficou mais complexo se comunicar com ele. É difícil mantê-lo satisfeito.

FOLHA - A crise pode tornar o consumidor mais racionais?
MORACE
- Ele vai reforçar comportamentos que já tinha antes. Quer emoção, mas agora tem menos dinheiro. Então vai investir em marcas que o ajudem a viver melhor. O que resume isso é "menos, mas melhor".


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