Confira os lançamentos de CDs de dezembro
MPB
JÁ É
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Um período sabático com passagens por Paraty (RJ), Nova York (EUA), Rishikesh (Índia), Milão e Roma (Itália) rendeu a Arnaldo Antunes o repertório do 16º álbum de sua carreira e o primeiro produzido por Kassin com participação, entre os músicos, de Marcelo Jeneci (sanfona, piano e teclados), Pedro Sá (guitarra) e Carlinhos Brown (percussão). "Põe Fé que Já É", de uma alegria exacerbada, abre o disco e provoca a dúvida: por quais caminhos estaria andando o músico paulistano?
Assim como prega a filosofia oriental, ele se mantém atento ao presente, constrói letras que lembram mantras ("Se Você Nadar", em parceria com a mulher, Márcia Xavier) e, vez ou outra, carrega nas tintas. "Peraí, Repara", canção dele com Marisa Monte e Dadi Carvalho, questiona: "Pra que tanta pressa?". É justamente quando a banda diminui o ritmo e as melodias pop dão lugar aos vocais lânguidos da cantora, em um dueto com Antunes, que o disco tem um de seus melhores momentos. (LÍGIA NOGUEIRA)
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RUIVO EM SANGUE
O paulistano Gui Amabis, produtor musical e compositor de trilhas sonoras e canções, estreou em disco em 2011 com o lírico resgate de suas "Memórias luso/africanas". Antes, integrara com Céu, Dengue, Pupillo e Rica Amabis o coletivo Sonantes, que lançou belo álbum homônimo em 2008.
Este terceiro disco acirra ainda mais a poética densa de seus inspirados "Trabalhos Carnívoros", de 2012. É trabalho afiado, curto e certeiro, como a faca dos amantes da faixa-título ou a da linda capa de Biel Carpenter. Distanciando-se com inteligência do consumo e adesão fácil, Amabis canta letras sucintas e enigmáticas, que dão forma desconcertante mas potente a estados de espírito ou a suas observações sobre o mundo. Veste-as de linhas musicais raras com o auxílio refinado dos cidadãos instigados Regis Damasceno e Dustan Gallas, nos arranjos e guitarras. Destacam-se duas notáveis canções em inglês e "Encosto", que contou, no lançamento ao vivo, com a força da presença e voz de Juçara Marçal. (ROBERTO ALVES)
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CONVERSAS COM TOSHIRO
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A periferia de São Paulo, o nordeste ensolarado, o outro lado do mundo. As crônicas de Rodrigo Campos compõem um mapa imaginário e absurdo, em que os personagens criados pelo compositor e instrumentista passeiam (ou vagam?) por paisagens diversas, retornando sempre a um ponto comum: o sexo, a morte e a vida. Sucessor de "Bahia Fantástica" (2012) e "São Mateus Não é um Lugar Assim Tão Longe" (2009), o terceiro disco solo do artista dialoga com o universo oriental, trazendo à tona criaturas tanto adoráveis quanto estranhas ""assim como a sua música.
À frente da guitarra e do vocal, Campos orquestra a banda formada por Marcelo Cabral (baixo elétrico), Curumin (bateria), Thiago França (sax barítono, sax soprano e flauta) e Dustan Gallas (rhodes, hammond e guitarra). Merecem atenção os vocais de Juçara Marçal e Ná Ozzetti, que deixam o posto de backing vocals para assumir uma posição de destaque em quase todo o repertório. (LN)
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ROCK/POP
B'LIEVE I'M GOIN DOWN...
"Pretty Pimpin'", sobre uma crise existencial em frente ao espelho de manhã, abre o sexto trabalho de estúdio de Kurt Vile e, a partir deste momento, o jogo já está ganho.
O músico nascido na Filadélfia investe cada vez mais nas melodias envolventes e enfatiza, agora, instrumentos que ajudam a criar uma atmosfera folk, como o banjo, em faixas como "I'm an Outlaw". Já o piano é o que dá charme a canções como "Life Like This" e a despretensiosa "Lost my Head There". Mas o disco não se prende a apenas um gênero: seus personagens e arranjos aparentemente simples passeiam pelos campos abertos do indie rock.
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Apesar de ter sido classificado pelo próprio artista como um álbum "noturno", criado no silêncio das madrugadas ""conforme apontam faixas mais intimistas, a exemplo da balada "That's Life, Tho (Almost Hate to Say)""" "B'lieve I'm Goin Down"¦" rende momentos de puro deleite auditivo. (LÍGIA NOGUEIRA)
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GLOBAL CHAKRA RHYTHMS
O recém-lançado álbum duplo do JEFF The Brotherhood, "Global Chakra Rhythms", marca a saída de uma grande gravadora (pela qual foi lançado "Wasted on the Dream", no início de 2015) e o retorno da banda de fuzz-rock de Nashville ao seu próprio selo.
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O movimento se revelou um ótimo negócio: livres dos compromissos comerciais, os irmãos Jake e Jamin Orrall criaram um repertório que varia do rock psicodélico, ao punk e o garage. A faixa-título abre o trabalho com uma espécie de mantra que conduz o ouvinte por uma viagem sônica com pouco mais de sete minutos. Aqui, um solo de saxofone faz a ponte com o free jazz, enquanto as guitarras, que aparecem mais à frente, remetem à musica oriental. As experimentações continuam na instrumental "Pringle Variations" e se desenvolvem nas canções seguintes até a soturna "Chilled to Bones", em que o piano é o fio condutor para diminuir o ritmo e se aprofundar em um universo de estranhas belezas. (LN)
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MONTAGE OF HECK: THE HOME RECORDINGS
É impossível negar a importância de Kurt Cobain (1967-1994) para o rock e a música pop a partir do início dos anos 1990: o músico foi um dos principais responsáveis por injetar uma boa dose de provocação ao então desgastado mainstream. É justificável, portanto, a atenção dada a "Montage of Heck", um disco com gravações caseiras feitas pelo líder do Nirvana de 1987 até pouco antes de sua morte.
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A obra vem na esteira do lançamento, há alguns meses, do documentário de mesmo nome do diretor Brett Morgen, que teve acesso a um vasto material deixado pelo artista, incluindo 108 fitas cassete com mais de 200 horas de áudio. O resultado carece de qualidade técnica, mas não deixa de funcionar como uma forma de suprir a curiosidade quanto ao conturbado processo criativo de Cobain. No repertório, há "early demos", ou esboços de faixas que mais tarde se tornaram bastante conhecidas, como "Been a Son", "Clean Up Before She Comes" e "Something in the Way", e ainda uma versão caseira de "And I Love Her", dos Beatles. (LN)
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INSTRUMENTAL
CANÇÃO PARA TEMPOS MELHORES
Este é o terceiro CD do trompetista Daniel D'Alcântara. O primeiro, "Horizonte" (2001), feito em parceria com o baterista Edu Ribeiro, embora seja um disco de sambajazz, tem foco voltado para a música brasileira. O segundo trabalho, "Lote 502" (2005), comercializado apenas pela internet, trouxe ritmos brasileiros como o samba e a bossa nova, mas com bastante espaço para improvisação em cima de harmonias jazzísticas.
"Canção para Tempos Melhores" traz um conceito mais livre. O disco serve para que Daniel D'Alcântara (trompete e flugel), Bruno Migotto (contrabaixo), Cuca Teixeira (bateria), Edson Sant'anna (piano) e Vitor Alcântara (saxofone) sigam o conceito trilhado pelo quinteto de Miles Davis. Na década de 1960, Davis gravou vários standards para serem tocados a cada apresentação de uma maneira, mudando a ordem dos solistas, a estrutura e o andamento das músicas. Na capa do CD, foto e tipologia remetem às capas produzidas pelo selo Blue Note Records. O som idem. (CARLOS BOZZO JUNIOR)
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4 CLIMAS
Pela dificuldade que apresentam, os arranjos e composições de "4 Climas" requerem músicos bons. Conrado Paulino (violão, guitarra, arranjos e composições), Debora Gurgel (piano e arranjo de "Valsa Errante"), Marinho Andreotti (contrabaixo) e Pércio Sapia (bateria) o são.
Além dos quatro excelentes instrumentistas que integram o Quarteto, o CD traz também as participações especiais de Léa Freire (flauta), Alexandre Ribeiro (clarinete), Tatiana Parra (voz) e Daniel D'Alcântara (trompete).
Apesar de tantos virtuoses reunidos, o som passa ao largo de execuções técnicas impecáveis e frias. Há emoção quente e muita música, com suingue pelas 11 faixas do disco.
Entre elas, "O Esquimó em Olinda", frevo de Paulino, cujo nome faz alusão aos compassos quebrados que derrubam o bailarino; "Canto Triste", de Edu Lobo e Vinícius de Moraes, em um belo solo de violão de Paulino; e "Valsa Errante", a única cantada do disco, com Tatiana Parra. Sublime. Disco de alto padrão. (CBJ)
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LIÇÃO #1 MOACIR
Um quinteto que destaca quatro garotas instrumentistas já é algo raro nos meios da música brasileira, mas o que mais chama atenção no grupo Quartabê é sua atitude criativa. Joana Queiroz (sax tenor e clarinete), Maria Bastos (clarinete e clarone), Mariá Portugal (bateria), Ana Sebastião (baixo) e Chicão (piano e teclados) releem composições do cultuado maestro Moacir Santos (1926-2006) com muita liberdade, sem medo de imprimir nelas diversas referências musicais, do jazz de vanguarda ao pop.
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O álbum "Lição #1 Moacir" não tem nada a ver com "songbooks" ou tributos cheios de reverências. A releitura da popular "Nanã "" Coisa #5", por exemplo, inclui um estridente solo de teclado e improvisos coletivos. Na encantadora "Suk-chá", o arranjo usa palmas e vocais para hipnotizar o ouvinte e, quando este pensa que a faixa acabou, vem uma seção mais intensa. Aliás, surpresas não faltam no álbum de estreia desse quinteto, que por si só já é uma surpresa promissora. (CARLOS CALADO)
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CLÁSSICO
AGÔ!
Dedicado à pesquisa e à divulgação de música nacional, o duo formado pelo barítono Renato Mismetti e pelo pianista Maximiliano de Brito apresenta aqui uma seleção de 36 canções de 16 diferentes compositores, tendo em comum a exploração da temática afro-brasileira.
Abrangente e variado, o repertório vai de José Francisco Leal (1792-1829) ao próprio Maximiliano de Brito, abarcando do nacionalismo de Villa-Lobos, Camargo Guarnieri e Mignone ao experimentalismo de Dinorá de Carvalho e Koellreuter, passando pelo "crossover" de Jayme Ovalle e Valdemar Henrique e o apuro de Marlos Nobre.
A convicção e o esmero de cantor e pianista, bem como a inteligência e bom gosto na escolha do repertório, fazem da audição do CD uma jornada de prazeres e descobertas. (IRINEU FRANCO PERPETUO)
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MENDELSSOHN: SYMPHONY Nº 3 "SCOTTISH", OVERTURE
Sir John Eliot Gardiner traz aos instrumentos "modernos" da Sinfônica de Londres toda a experiência acumulada em décadas de dedicação à música antiga, com uma leitura exuberante da abertura "Hébridas", de Mendelssohn, e muito vivaz da terceira sinfonia, do mesmo compositor. No concerto para piano de Schumann, a solista é a portuguesa naturalizada brasileira Maria João Pires, que impregna a obra com doses peculiares de lirismo e poesia.
O álbum é duplo: além de ouvir as performances em CD de qualidade de áudio impressionante, é possível ainda acompanhá-las em Blu-ray e observar que, na sinfonia de Mendelssohn, Gardiner coloca as cordas da superlativa orquestra londrina para tocarem de pé, o que só aumenta a sensação de urgência e proximidade de sua interpretação. (IFP)
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Vivaldi: Pietà
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Talvez não haja, no cenário musical da atualidade, contratenor com voz mais sedutora que a do francês Philippe Jaroussky. A um timbre puríssimo e uma capacidade extraordinária para executar as virtuosísticas pirotecnias vocais do repertório do século 18, Jaroussky alia uma musicalidade inata e uma comunicabilidade que fazem suas interpretações serem extremamente calorosas e expressivas.
Aqui, ao lado do Ensemble Artaserse ""grupo de instrumentos de época que o acompanhou em sua última vinda ao Brasil, em 2014"", Jaroussky canta a música sacra de um compositor com o qual demonstra profunda afinidade: o sacerdote veneziano Antonio Vivaldi (1678-1741). Jaroussky se esbalda com a riqueza melódica vivaldiana: difícil imaginar gravações melhores de motetos como o "Stabat Mater" e "Longe, Mala, Umbrae, Terrores". (IFP)