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15/12/2011 - 22h35

Novo filme de Todd Solondz não conquista críticos nem plateias

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NIGEL ANDREWS
DO "FINANCIAL TIMES"

Os óculos op art, os tênis amarelos e a camisa engomada, tão limpa que você quase pode ouvi-la crepitar, fazem Todd Solondz parecer uma caricatura de "preppy" americano. Ele poderia até ser um "munchkin preppy" saído de uma versão animada de "O Mágico de Oz". Quando nos encontramos, 16 anos após minha primeira entrevista com ele --em Berlim, no inverno, onde ele tinha feito sua estreia em um festival com "Bem-vindo à Casa de Bonecas"-- me pergunto se o destino não o terá transformado em um dos personagens de seus filmes.

Como sabem os cinéfilos, Solondz conta histórias em que vidas americanas se despedaçam trágica e comicamente. "Felicidade" (1998), "Palíndromos" (2001), "A Vida Durante a Guerra" (2009). O botão de autodestruir de seus filmes pode ser enfeitado com uma carinha sorridente, mas nem por isso deixa de ser nuclear. Também o são as famílias estreitamente vinculadas que ele apresenta, com crianças e adultos muitas vezes lutando para "virar gente grande". "Felicidade", o segundo longa-metragem de Solondz, foi um dos grandes filmes independentes de sua era ou de qualquer outra: um "Cidadão Kane" de comédia séria da geração X, com amplitude de caracterização, temática explosiva (incluindo o estupro pedófilo) e a capacidade de combinar cinismo com compaixão.

Mas será que Todd Solondz, como Orson Welles, disse tudo cedo demais e definitivamente demais? "Felicidade" terá sido um filme bom demais para que pudesse ser superado por seus trabalhos seguintes?

Giuseppe Cacace-5.set.11/France Presse
Todd Solondz (à esquerda), Selma Blair e Jordan Gelber posam parta foto no Festival de Veneza
Todd Solondz (à esquerda), Selma Blair e Jordan Gelber posam parta foto no Festival de Veneza

Seu novo filme, "Dark Horse", é uma história agridoce de amor entre duas pessoas imaturas (Selma Blair, Justin Bartha) que exibe momentos de brilho, mas não conseguiu até agora cativar críticos e plateias. Apesar de ter sido exibida nos grandes festivais do outono - Veneza, Toronto, Rio, Abu Dhabi --, o filme não conseguiu distribuição nos EUA ou Europa. O diretor mergulha em um lamento que soa como sua marca registrada. "Veja só, meus filmes rendem cada vez menos dinheiro. Cada filme rende a metade do que rendeu o filme anterior. 'Felicidade' ganhou a metade de 'Casa de Bonecas'. 'Histórias Proibidas' rendeu a metade de 'Felicidade'. Meu público encolheu. Até fiquei surpreso por ter conseguido fazer um filme."

"Então", ele diz, falando de "Dark Horse", "pensei: o que eu posso fazer que vá custar muito pouco dinheiro? Eu queria que fosse simplesmente uma história de 'moça conhece rapaz', mas que evolui." Evolui, para sermos exatos, por não evoluir. Nem Abe nem Miranda amadureceram de qualquer modo reconhecível. Eles vivem vidas protegidas em casulos, à espera de amor, paixão, cataclismo --qualquer coisa-- que os desmame e faça chegar à idade adulta.

"Nestes tempos de crise econômica, o conceito de jovens que continuam a viver com seus pais não é tão incomum. Há todo um gênero de filmes hoje que já trata de homens nessa situação. 'O Virgem de 40 Anos', 'Ligeiramente Grávidos'. Poderíamos dizer que minha visão é um pouco mais trágica, mais pesada..." A palavra "infantilização" sai de sua boca. Então é isso o que a era do derretimento financeiro nos deixou? Um recuo para o quarto das crianças, cheio de brinquedos e objetos colecionáveis? Abe é fã de gibis, e também há pôsteres, CDs e videogames por toda parte.

"É o sintoma de uma sociedade de consumo. Esses problemas não existem na zona rural da China ou do Sudão. É preciso haver certo nível de prosperidade, e também de secularismo, para existirem esses altares aos gibis e às divindades da cultura pop." E um certo grau de obsessão neurótica, possivelmente retardada. "Você pode ser uma pessoa que tem um hobby, mas em determinado momento se pergunta se você é dono da coleção ou a coleção é dona de você."

Solondz "lê" a América com precisão. A queda em sua popularidade talvez se deva ao fato de ela a ler bem demais. Por exemplo, ele não elogia o modo como os pais americanos educam seus filhos quando faz o pai e a mãe de Abe serem representados --mesmo que com voltagem estelar-- por Mia Farrow (em parte mãe protetora, em parte Poliana na meia-idade) e Christopher Walken, este de peruca. O personagem de Walken é um funcionário de escritório, entediante, mas simpático: alguém que anos atrás se rendeu ao automatismo do horário comercial e hoje é um dos mortos-vivos que povoam a América suburbana.

Essas cenas são feitas em um estilo de Sitcom Extrema --"o tom alegre destoa das partes frágeis dos personagens" --, e sua acústica é ampliada por um insight quase pirandelliano. "Há um personagem de 'Seinfeld'", diz Solondz, "George Costanza, que, com seu pai e sua mãe, forma uma espécie de contraponto a Abe e seus pais."

Assim, Solondz contratou o ator que fazia Costanza, Jason Alexander ("que nasceu na mesma cidade que eu: Livingston, Nova Jersey"), mais os atores que representaram seus pais na TV, para gravar o áudio de um falso episódio de "Seinfeld" que ouvimos como áudio de fundo durante uma cena com a família de Abe. "Escrevi o episódio eu mesmo. Eu realmente queria o personagem George Costanza ali como reflexo ou caixa de ressonância para meus próprios personagens".

É uma inspiração interessante. Mas me pergunto se ela não resume simultaneamente tudo o que "Dark Horse" tem de acertado e de equivocado. E também todos os acertos e os erros do cinema feito por Todd Solondz desde "Felicidade". A criatividade e a inteligência alusiva estão presentes. Mas as formas que assumem estão ficando insignificantes demais. Quem se importa com essas pequenas criatividades, se a grande visão não está mais presente?

"As pessoas ficam basicamente tentando me incentivar a trabalhar na televisão", diz Solondz, voltando a falar de seus problemas de financiamento, "que é mais estável e onde você recebe um salário real. Eu leciono na NYU (Universidade de Nova York) --esse é meu emprego em tempo integral. Adoro fazer isso, e esse trabalho me dá certa segurança. Prefiro mil vezes lecionar que trabalhar em alguma coisa na TV que não me interessa."

Mas ele não estará formando jovens cineastas para que eles, por sua vez, ingressem em um mundo em que está cada vez mais difícil fazer filmes? "Olho para eles (seus alunos) e é engraçado, hoje todos têm tecnologias novas e diferentes com as quais fazer filmes se torna tão mais acessível. O que foi criado com todas essas mídias digitais é como a invenção da máquina de escrever. Ao mesmo tempo as coisas estão mais difíceis que nunca em termos de encontrar distribuição em cinemas. Apesar de tudo o que se fala sobre plataformas digitais, iPods e iCasts, não tenho conhecimento de lucros sérios que possam vir dessas coisas."
Pior ainda, ele observa, a liberdade de acesso pode acabar com a renda potencial de outras fontes de receita mais antigas. "Com frequência meus filmes estão no YouTube. Podem ser vistos do começo ao fim --nem sequer é preciso descarregar. Meu pessoal tenta tirá-los, mas eles reaparecem. Eu não ganho nada com isso, nada."

O cenário do cinema independente é ao mesmo tempo uma selva e um deserto. Se você está nele, você ou devora ou é devorado. Se está à margem dele, você morre de fome ou de sede. Todd Solondz é filosófico. Ele vai tentar continuar a criar filmes (seu produtor de longa data tem um nome auspicioso: Ted Hope [Esperança]). E ele vai continuar a ajudar jovens americanos a tentar fazer cinema.

Como último incentivo para que ele elogie seus melhores trabalhos, pergunto qual de seus filmes ele tentaria salvar se sua casa pegasse fogo. "Não sei. Talvez eu deixasse todos ser queimados. Eu ficaria muito triste, mas aceitaria que os filmes já tinham vivido sua vida. Agora, teriam desaparecido. Seria melhor aceitar isso, ao invés de fetichizá-los."

Ele parece quase feliz quando o diz.

TRADUÇÃO DE CLARA ALLAIN

 

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