Programa sem concessões anuncia novo CD da Osesp

Após vender sua sombra --símbolo de fecundidade--, a mulher ouve as vozes de seus filhos por nascer: a partir da ópera estreada em 1919, Richard Strauss (1864-1949) elaborou a "Fantasia Sinfônica sobre a Mulher sem Sombra", obra que abriu o concerto a preços populares da Osesp na sexta-feira.

Regido pelo inglês Frank Shipway, o programa incluiu também "Sinfonia Alpina", do mesmo compositor, e é a prévia de um CD a ser lançado neste ano.

Durante o período em que foi dirigida por John Neschling, a orquestra gravou intensamente, mas poucos CDs dedicados ao repertório tradicional tiveram especial destaque (uma exceção é a versão da sinfonia "Manfred", de Tchaikovsky).

Já os álbuns com repertório brasileiro (como os ciclos de Villa-Lobos e Guarnieri) tornaram-se rapidamente referência. Por tudo isso há de se comemorar o projeto, já que --caso as nuances ouvidas no fim de semana sejam captadas-- o CD poderá ser um dos melhores lançamentos da Osesp.

Shipway é especialista na poética escura e sem concessões de Strauss. Faz a orquestra soar a plenos pulmões sem abdicar do acabamento. Nos tutti, em meio à metaleira pesada, ainda era possível distinguir os violinos, que davam verniz à massa.

Diante dele, cada músico parece saber exatamente o que fazer. Na "Sinfonia Alpina" --que narra apenas com sons instrumentais as aventuras de um dia no campo-- cada passagem emergiu com certeza e beleza.

Em artigo sobre Debussy, na "Ilustrada" do último dia 22, Marcelo Coelho definiu a modernidade do músico francês como o apelo constante a "uma espécie de ocorrência pura, sem narrativa".

Já Strauss ainda confia na continuidade da experiência. Mas seu discurso harmônico transfigura cada evento em seu oposto, o que torna tudo provisório. Nas mãos de Shipway, essa música segue moderna e necessária.

OSESP
Dirigida por Frank Shipway
AVALIAÇÃO ótimo