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23/07/2012 - 03h02

Mais de 13 mil rolos de documentarista se deterioram em meio a briga judicial

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RODRIGO SALEM
DE SÃO PAULO

Em frente a uma pequena igreja evangélica em uma área modesta do bairro de Casa Verde, na zona norte de São Paulo, há uma casa branca que destoa da vizinhança.

Ela se impõe por sua guarita e seu portão cinza que intimidam qualquer invasor.

Lucas Lima/Folhapress
Vários filmes de Carbonari estão tortos e em péssimo estado
Vários filmes de Carbonari estão tortos e em péssimo estado

A guarita está vazia há anos. Mas, na parte de trás da casa, existe um tesouro. Só não se sabe por quanto tempo ele vai resistir.

No local, os mais de 13 mil rolos de filmes do acervo de Primo Carbonari (1919-2006), um dos documentaristas mais importantes do Brasil, criador do ªCinejornalº (noticiário exibido nos cinemas do Brasil a partir de 1954), deteriora-se enquanto uma briga judicial se desenrola.

Em abril de 2005, foi assinado um termo de cooperação técnica entre a Cinemateca Brasileira, a empresa Heco Produções e a filha de Primo, Regina Carbonari.

O objetivo era recuperar a obra do cineasta ÐCarbonari foi o único detentor das imagens do Pan-Americano de São Paulo (1963) e capturou a inauguração de Itaipu, o enterro de Tancredo Neves e construções de rodovias.

Do lado da Heco e da Cinemateca, a obrigação era catalogar, limpar os rolos, criar um banco de dados on-line e construir salas apropriadas para a preservação.

Os Carbonari, em troca, cederiam 400 horas de telecinagem [digitalização de filmes] do material bruto pinçado pela Heco para um longa.

SUSPENSÃO

Regina Carbonari diz que suspendeu os trabalhos um ano e meio após o início porque "não conseguia encontrar filmes que procurava".

Juca Varella - 19.nov.03/Folhapress
Primo Carbonari e o produtor Eugenio Puppo, em 2003
Primo Carbonari e o produtor Eugenio Puppo, em 2003

Eugênio Puppo, dono da Heco, conta que a equipe foi expulsa do local pelos herdeiros do acervo e não pôde finalizar o projeto.

Juliana Rojas ("Trabalhar Cansa"), assistente de direção de Puppo no longa, confirma a versão. "O advogado da família queria que saíssemos imediatamente."

Em dezembro de 2006, Puppo entrou com uma ação de cumprimento de obrigação de fazer. Também buscava reparação de danos morais e materiais contra Regina.

Seis anos depois, o processo corre na 1ã Vara Cível do Foro Regional de Santana. Um perito da USP realizou uma análise em 2011, mas ainda não emitiu seu parecer.

Enquanto as duas partes brigam, o acervo sofre. A Folha visitou as duas reservas técnicas, na Casa Verde, e constatou as más condições. Há filmes quebrados e latas com identificações confusas (Ulysses Guimarães virou "político importante").

PROTEÇÃO CONTESTADA

As pontas Ðque servem para proteger os rolosÐ de alguns filmes abertos pela reportagem eram compostas por sobras de títulos como "Soldado Universal".

A prática contraria o "Manual de Manuseio de Películas Cinematográficas", editado pela Cinemateca Brasileira. Fernanda Coelho, coordenadora de preservação da Cinemateca e uma das responsáveis pela fiscalização do projeto, diz que "pontas reveladas não provocam a deterioração nos filmes".

Na sala reservada aos 2.000 rolos de filmes em pior estado de conservação, o cheiro de vinagre --decorrente da decomposição química-- é nauseante. A refrigeração é feita por um velho ar-condicionado e um desumidificador portátil.

O calor é um perigo para películas em nitrato, uma substância altamente inflamável. "Eles misturaram vários tipos de filmes", aponta Regina.

"É mentira", diz Puppo. "Desde o início, a Cinemateca queria levar os filmes em nitrato para o acervo da instituição. Regina não permitiu."

A Folha teve acesso ao processo. Fernanda Coelho admitiu, em depoimento, que aprovou "o local onde estava o acervo para acomodar o material ali existente, embora não fosse o ideal".

"Encontramos os filmes no galpão do estúdio levando chuva e sol, com as latas todas enferrujadas. Eles estão em melhores condições agora", garante Puppo. "Havia lata de maionese no meio, rolos com grampos e areia."

Na sede da Heco, empresa que promove programas e mostras de cinema, o diretor mostrou à reportagem um making of do projeto.

Nele, há cenas do antigo acervo empilhado sem organização e da própria Regina mostrando o péssimo estado de conservação. "Regina falou que destruímos o acervo, mas nenhum processo técnico faz um filme apodrecer em meses mais do que em 50 anos", compara Coelho.

Outra acusação de Regina envolve os estagiários contratados pela Cinemateca para transportar, limpar e guardar os rolos de filmes. "Eles carregavam os filmes em sacos de farinha e alguns deles ainda estavam sujos", diz Eduardo Nogueira, neto de Primo Carbonari.

Puppo confirma que havia um saco sujo de farinha. "Mas o retiramos imediatamente", esclarece o produtor.

 

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