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06/12/2012 - 03h55

Oscar Niemeyer e Lucio Costa redefiniram a cultura brasileira do século 20

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GUILHERME WISNIK
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em dezembro de 1957, no cinquentenário de Oscar Niemeyer, Lucio Costa publicou um texto curto chamado "Niemeyer Acumula Vida".

Curvas e concreto compõem vocabulário de Niemeyer
Maior artista do país, Niemeyer fez a arquitetura brasileira ser pop
"A vida é mais importante do que a arquitetura", escreveu Oscar Niemeyer
Niemeyer integrou grupo de intelectuais que aderiu ao Partido Comunista

Nele, sustenta que o segredo da juventude do companheiro se devia à sua capacidade de equacionar os problemas arquitetônicos, rondando-os cotidianamente e depurando-os em sínteses mentais que resultavam não só em obras magníficas, mas também em energia vital.

"Oscar, 50 anos: pelo volume da obra, poderia ter 70, mas, na verdade, continua com os mesmos 30 e tantos da época da Pampulha. E pelo jeito será sempre assim", escreveu Costa no texto.

Hoje podemos dizer que a formulação parece ainda mais luminosa e premonitória, seja pela notável longevidade do arquiteto, seja também pelo recuo histórico que já permite situar a sua obra, no campo das artes visuais no Brasil, como um possível termômetro do século 20.

Costa e Niemeyer foram parceiros a vida toda, o que não quer dizer que fossem amigos. Poucas vezes pessoas com temperamentos e afeições intelectuais tão diferentes estiveram tão próximas, numa relação que tenha resultado tão produtiva.

Rapidamente, cabe lembrar os capítulos principais da história: seis anos mais moço do que Costa, Niemeyer começou a carreira como estagiário no escritório deste, em 1935, sem, no entanto, segundo Costa, ter demonstrado, no princípio, qualquer aptidão para a profissão.

SUPERAÇÃO DO MESTRE

O "pulo do gato" deu-se, mitologicamente, no projeto da sede do Ministério da Educação e Saúde, sobre o qual Costa declara ser de Niemeyer a "orientação decisiva".

Em seguida, em 1938, após ganhar o concurso para o Pavilhão do Brasil na Feira de Nova York, o antigo chefe admite ser o projeto do ex-estagiário melhor, convidando-o para fazer um projeto novo.

No plano pessoal, no entanto, essa parceria manifestou-se apenas como uma cordialidade respeitosa, sobre a qual a polida declaração de Costa é significativa: "Nunca houve nenhuma rusga entre nós, só o afastamento".

O que fica para a história, é claro, são as obras desses arquitetos, e ambos sempre souberam muito bem disso.

Se evoco, aqui, algo da relação pessoal entre essas duas grandes figuras, não é para sugerir qualquer desafeto, mas, ao contrário, para enriquecer o sentido desse longo "diálogo", tão fecundo para a história da arquitetura no Brasil.

Por isso, penso que algo do desconforto manifestado por Costa diante de Niemeyer devia-se a seu incômodo de se sentir na presença de algo inexplicável.

Ao eleger Niemeyer o "gênio da raça", só comparável em criatividade e circunstância a Aleijadinho, Costa não estava apenas assegurando uma era nova à arquitetura brasileira.

Estava debatendo-se com a questão que mais o intrigava no íntimo, que chamou de "a chave do enigma": o misterioso entrelaçamento entre o particular e o universal nos caminhos do destino.

No plano privado, sentia que uma transformação decisiva (o nascimento de um "gênio") operava-se ao seu lado sem que, no entanto, ele próprio tivesse podido identificar a sua gênese.

No plano coletivo, enxergava que o contexto em que vivia era capaz de realizar, por meio de uma ruptura, um engate surpreendente com outros momentos históricos.

Editoria de Arte

Esse parece ser o sentido profundo da aproximação que há entre Oscar Niemeyer e Aleijadinho.

Ambos se tornaram expoentes de uma liberdade criativa pessoal, hedonista e delicada, proveniente de um meio que extrai a sua graça do fato de ser ainda algo tímido e incipiente.

ENCONTRO DE MESTRES

Nos anos 1980, gravando cenas para um documentário sobre Lucio Costa, o cineasta José Reznik registrou passagens memoráveis de um encontro entre Costa e Niemeyer nas ruas do Rio.

Ali, Costa aparece com um paletó branco puído, aspecto ansioso, falando sem parar, e com seu incansável porte de lorde inglês, embora já um pouco curvado.

Enquanto Niemeyer, por outro lado, é o malandro de sempre, alheio, usando óculos escuros e encostado preguiçosamente num poste, sem nem sequer abrir a boca.

Convocando memórias antigas, como que a pedir a cumplicidade do companheiro, Costa relembra as "condições propícias" que tornaram possível o surgimento da arquitetura moderna brasileira nos anos 1930.

Perguntando-se: "Meu Deus, mas se a carreira --a vida-- do Oscar não tivesse aflorado naquele momento, então a vida seria diferente".

Nesse momento, a "conversa" é, de repente, interrompida pela passagem ruidosa de um ônibus em primeiro plano, levantando uma fumaça preta.

Nesse intervalo frágil, circunstancial, um capítulo decisivo da história do Brasil foi escrito. E, com isso, um século inteiro se passou.

GUILHERME WISNIK é autor de "Lucio Costa" (Cosac Naify) e "Estado Crítico" (Publifolha)

 

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