Filho de João Gilberto acusa EMI de não cumprir decisão judicial; gravadora nega
Em meio a uma batalha judicial, o filho do cantor e compositor João Gilberto, Marcelo Gilberto, acusa a gravadora EMI de ter devolvido ao músico apenas cópias de seus discos, e não os originais, como havia determinado a Justiça. A gravadora nega as acusações.
No dia 20 de maio, o desembargador André Gustavo Corrêa de Andrade, do Tribunal de Justiça do RJ, determinou que a empresa devolvesse a João Gilberto as matrizes dos LPs "Chega de Saudade", "O Amor, o Sorriso e a Flor", "João Gilberto" e do compacto em vinil "João Gilberto Cantando as Músicas do Filme Orfeu do Carnaval".
Segundo Marcelo Gilberto a gravadora devolveu apenas cópias dos LPs e somente o disco "Chega de Saudade" tem chance de ser o original. A embalagem do material traz os seguintes dizeres: "Joãozinho boa pinta. Export Venezuela. Stereo copy".
Marcelo Gilberto | ||
Em embalagem de fita de João Gilberto devolvido ao cantor e compositor pela gravadora EMI está escrito "Stereo Copy" |
"Somente 'Chega de Saudade' pode ser original. Eles cometeram uma fraude, os documentos trazem explicitamente a inscrição 'cópia'", afirmou o filho do cantor e compositor à Folha.
Marcelo Gilberto acredita que a EMI pode ter perdido os originais dos LPs e por isso teria devolvido apenas cópias do material. "Nós já suspeitamos algumas vezes que eles perderam as originais."
"Isso é parte da nossa cultura, é um desrespeito ao meu pai", completou Marcelo, que mora em Nova Jersey, mas está atualmente no Rio.
Ele disse que esteve com João Gilberto e que o músico não demonstrou surpresa ao receber a notícia.
A mulher e empresária do cantor, Claudia Faissol, disse à Folha por telefone que já entrou em contato com Marcelo e disse ter ciência de que o material "não é verdadeiro".
Ainda segundo Marcelo Gilberto, o disco "João Gilberto Cantando as Músicas do Filme Orfeu do Carnaval" foi entregue pela EMI em um CD. "Obviamente não é original. Eles pensam que nós somos estúpidos ou não se importam", disse o filho de João Gilberto, que afirma ter sido a primeira pessoa a examinar o material.
GRAVADORA NEGA
Raphael Miranda, advogado da EMI, negou que o material seja cópia. "Não é verdade [a acusação de Marcelo Gilberto]. As masters estavam em posse da EMI há mais de 40 anos e nós temos laudos técnicos que comprovam que são originais. Vamos discutir isso, mas ele vai ter que provar que não são originais agora", disse Miranda.
"É a mesma coisa que você ver um artista de rua pintar um quadro. Você gosta, compra o quadro e pendura na parede da sua casa. Depois de 40 anos o sujeito aparece e diz que tem os direitos sobre aquilo pelo qual você pagou? Isso não tem cabimento", afirma o advogado.
"O que espanta é que eles já não querem mais discutir o mérito da questão, estão discutindo coisas periféricas. Querem tumultuar para evitar o julgamento, é o temor do João Gilberto", completa Miranda.
As gravações ainda serão analisadas por um especialista para determinar seu estado atual. Depois, o caso será julgado por três desembargadores da 7ª Câmara Cível do Rio.
Reprodução | ||
Capa do álbum Chega de Saudade, de João Gilberto |
DISPUTA
As acusações são mais um capítulo do imbróglio judicial envolvendo João Gilberto e a EMI, que teve início na década de 1980.
Uma semana antes da determinação de que os discos originais do cantor e compositor fossem devolvidos a ele, em maio deste ano, a Justiça havia dado voto favorável à gravadora, que alegava que o material poderia correr risco de preservação se não fosse devidamente acomodado. Assim, suspendeu a liminar que determinava a devolução dos masters (como são chamadas as gravações que dão origem a LPs e CDs).
Depois, o desembargador decidiu que "reconhecer à empresa agravante [EMI] o direito de permanecer com a guarda das gravações masters é negar ao agravado [João Gilberto] o direito de, como intérprete, titular de direitos conexos de autor, decidir a respeito da utilização de sua obra, privando não apenas ele, mas toda a comunidade, de ter acesso a interpretações que, como já indicado, fazem parte da história cultural deste país e da história da música como um todo".
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