Crítica: Sobriedade visual ressalta trama de 'Tribos', peça com Antonio Fagundes
As querelas de uma família bastante idiossincrática são o mote da peça "Tribos". O pai é um crítico acadêmico sarcástico; a mãe, aspirante a escritora; a irmã canta ópera em pubs; o irmão superprotetor escreve uma tese sobre linguagem e significado.
A narrativa fecha-se nas relações desses membros com Billy, o primogênito surdo e o eixo dramático em torno do qual circulam as insatisfações e as cobranças narcisistas dos outros personagens.
Antonio Fagundes e filho retomam dupla nos palcos com a peça 'Tribos'
O elemento exógeno a esse sistema é sua namorada, às vias da surdez, que adentra o clã perturbando esse instável núcleo doméstico.
Lenise Pinheiro/Folhapress | ||
Os atores Bruno (esq.) e seu pai, Antonio Fagundes, durante ensaio de 'Tribos', no Tuca |
A astúcia do diretor Ulysses Cruz foi em não privilegiar nenhum papel em detrimento de outro na composição, visto que todos os personagens têm riqueza ficcional.
Antonio e Bruno Fagundes, pai e filho também na ficção, não são desiguais em importância na trama. Como todos ali, são apenas peças de um quebra-cabeça genealógico.
Além de conceito, essa equidade de vozes é prática; em várias passagens, todos falam ao mesmo tempo, num uníssono quase ininteligível.
Essa sobreposição de falas ilustra o estranhamento de Billy no mundo dos ouvintes; assim como a ousadia do encenador ao utilizá-la em um teatro grande, sem microfone acoplado aos atores.
O caráter episódico da montagem, dividida em nove cenas interpostas entre blackouts, é benéfico à exposição dos fatos, já que as breves pausas preparam terreno para novas configurações dramáticas e permitem a reestruturação da mobília.
A cenografia de Lu Bueno e a iluminação de Domingos Quintiliano prezam pela sobriedade: um piano de cauda, uma mesa moderna rodeada de cadeiras de design refinado, tudo sob uma luz suave e à frente de projeções que simulam papéis de parede.
É positivo o contraste entre esse comedimento imagético e a opulência verborrágica do texto da dramaturga britânica Nina Raine.
Apesar das conversas intelectualizadas, o cerne do enredo é de fácil apreensão e carrega um humor de rara inteligência, embora haja obviedade em alguns desfechos.
O figurino de Alexandre Herchcovitch alude à discrição inglesa, com vestuário em tons escuros e cortes justos bem contemporâneos.
Com estrutura simples, sem malabarismos cênicos ou embustes, a peça funciona sobretudo por sua dramaturgia cativante, ou seja, por contar uma boa história.
TRIBOS
QUANDO sex. e sáb., às 21h30; dom., às 18h
ONDE Tuca (r. Monte Alegre, 1.024; tel. 0/xx/11/3670-8455)
QUANTO de R$ 50 a R$ 60
CLASSIFICAÇÃO 14 anos
AVALIAÇÃO bom
Livraria da Folha
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