Crise desperta nova fotografia espanhola
A crise que se arrasta há cinco anos na Espanha teve ao menos um aspecto positivo.
Se nos anos seguintes à ditadura franquista, terminada em 1976, Madri teve um renascimento cultural -a chamada "movida madrileña"- agora a recessão impulsiona uma nova geração de fotógrafos.
Madri expõe trabalhos fotográficos da nova geração
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"Entre os anos 1990 e o começo da última década, qualquer um que quisesse ser artista tinha facilidade de realizar exposições", diz o historiador Horacio Fernández.
"Quando há muita oferta, é difícil que se façam coisas brilhantes", completa o espanhol, que é autor da compilação "Fotolivros Latino-americanos", mostrada recentemente no Instituto Moreira Salles, em São Paulo.
Já a escassez de recursos ajuda no surgimento de novas vozes, segundo artistas locais. "A falta de apoio institucional e do governo fez com que fotógrafos caminhassem sabendo que os frutos só viriam de esforços próprios. Para mim, a crise foi maravilhosa", diz Fosi Vegue, 37, do coletivo Blank Paper.
Criado há dez anos, o grupo virou escola em 2006 e é hoje uma das principais referências dessa renovação.
No terceiro andar de um pequeno prédio no bairro boêmio de Malasaña, em Madri, as paredes da Blank Paper são cobertas de publicações e projetos de fotolivros -obsessão desses novos autores.
Reflexo da fixação, o museu de arte contemporânea Reina Sofia inaugurou na última semana a exposição "Livros que São Fotos, Fotos que São Livros", com cerca de 150 obras de 114 fotógrafos, lançadas a partir dos anos 2000.
Com curadoria de Fernández, a mostra revela um traço comum a muitos destes livros: a autopublicação.
"Os computadores, aliados à crise, permitiram esta independência", diz o curador.
Entre exemplos da tendência estão "C.E.N.S.U.R.A", de Julián Barón, 35, e "Paloma Al Aire", de Ricardo Cases, 42, lançados em 2011 e esgotados.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
O reconhecimento dessas obras só não foi maior que o atingido por "The Afronauts", de Cristina de Middel. Seu fotolivro sobre a história real de um professor da Zâmbia que sonha em viajar ao espaço fez muitos olhos se voltarem à nova fotografia espanhola.
Os mil exemplares se esgotaram logo, e hoje a obra é uma raridade. Uma cópia usada sai por cerca de R$ 4.600 -nova, pode custar o dobro.
Para Vegue, a disseminação do fotolivro ocorre porque "compreende o que o fotógrafo concebeu. Poderia acontecer o mesmo com uma exposição, mas ali você vê e vai embora. O livro é uma visita constante", diz o membro da Blank Paper.
As narrativas se tornaram tão visuais que é possível encontrar obras em que a única referência textual é o nome do autor -e, ainda assim, discretamente.
"Parece que é uma espécie de livro mudo, como o cinema mudo, característica da cena internacional", reclama Fernández. "Uma saída para que isso não seja uma moda é que existam mais obras como filmes, um pouco mais complexos e quem intervenha não sejam fotógrafos, mas escritores. Não sei".
O jornalista DAIGO OLIVA viajou a convite da Accion Cultural Española.
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