Ruy Castro diz que postura de Chico Buarque em relação a biografias é 'inadmissível'
A Casa Folha acordou repleta de gente para receber Ruy Castro neste sábado (2). Fora do imóvel, uma longa fila em torno da porta e das janelas tentava ver e ouvir o escritor e colunista da Folha.
Em conversa mediada pela jornalista da Folha Thais Bilenky, Ruy tratou das diferenças e semelhanças entre a biografia e a crônica, dois gêneros nos quais é mestre.
"Minha crônica no jornal tem 1.800 caracteres. Já a biografia da Carmen teve 2 milhões. A crônica é um guardanapo de papel, a biografia é um mar. Mas o objetivo de ambas é o mesmo: a clareza, a simplicidade, a verdade. Se puder acrescentar um pouco de charme e humor, melhor ainda."
Ruy começou uma carreira de êxito como biógrafo no começo dos anos 1990. Já publicou livros sobre a bossa nova ("Chega de Saudade"), Nelson Rodrigues("O Anjo Pornográfico") e Garrincha ("Estrela Solitária"). Na Folha, escreve crônicas na página 2 há sete anos. Ruy diz que a crônica é um gênero de difícil definição ("É crônica? É jornalismo?"), mas longa resistência.
"Por mais frágil, superficial que possa parecer, ela tem uma duração maior que coisas aparentemente mais importantes."
Ruy definiu que o biógrafo deve ser neutro, uma espécie de vidro entre o texto e o leitor, sem emitir opinião, apenas fatos. "Deve ser um idiota da objetividade, como dizia o Nelson Rodrigues, totalmente apegado às informações. Já o cronista tem que ser um idiota da subjetividade."
Grande parte da conversa tratou das lutas entre biógrafos e biografados. A biografia sobre Garrincha, publicada em 1995, foi alvo de um processo por parte da família do jogador que se arrastou por 11 anos. O livro ficou um ano fora de circulação.
Ruy acredita que hoje a situação é mais favorável aos biógrafos. Em maio, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei que permite a publicação de biografias não autorizadas. Ele também diz que a opinião pública está mais mobilizada a defender a liberdade de expressão.
Cita como exemplo a recente publicação de "O Réu e o Rei", no qual Paulo Cesar de Araújo retrata a disputa que levou à proibição da biografia "Roberto Carlos em Detalhes", de 2006. A obra foi recolhida em 2007 após acordo entre o cantor, a editora (Planeta) e autor.
"Quando o Paulo Cesar disse que faria uma biografia do Roberto, eu lhe disse: procure outro assunto, ele vai te processar. O caso dele é psiquiátrico. Se você falar da perna mecânica dele, ele vai pra cima de você. Ele acha que o país desconhece que ele tem uma perna de pau."
Ruy também criticou Chico Buarque, que já se manifestou contra a publicação de biografias não autorizadas.
"Ninguém esperava isso do Chico. Foi o mais perseguido pela ditadura, não devia ter tomado essa posição. O Roberto é um censor nato, tem alma de censor. O Chico ter uma postura próxima a isso é inadmissível. Mais que todos os outros, ele não tem direito de ser censor", afirmou, sob fortes aplausos do público.
OUTRO LADO
Na época em que o debate a respeito das biografias não autorizadas estava em evidência, Chico Buarque defendeu, em entrevista à Folha, que "o cidadão tem o direito de não querer ser biografado".
"Entendo que alguns artistas, algum cidadão, algum ator queira preservar a sua intimidade. Não acho que isso seja uma aberração. Acho que é um direito [...] São problemas que não são levados pelo artista ao público, [questões] com que ele toma o maior cuidado. Não transforma isso em música, não escreve a respeito, quer preservar para si. Acho respeitável", disse o músico.
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