'Alentejo, Alentejo' é registro histórico e declaração de amor
Marcados pelo tempo, enrugados pelo trabalho, crestados pelo sol, rostos se alternam na tela.
Ao fundo, som de homens em marcha introduz o primeiro canto de "Grandola, Vila Morena", que serviu de senha para Revolução dos Cravos —movimento que, em 1974, derrubou a ditadura salazarista em Portugal.
É assim mesmo, do trabalho e do observar da vida, que nasce o cante alentejano —estilo de música coletiva da região, tão particular que, mais das vezes, chamam-lhe tão somente cante—, resgatado e homenageado com maestria e carinho em "Alentejo, Alentejo".
Por ironia, o documentário não é obra de algum cineasta saudoso da terrinha, mas do brasileiro Sérgio Tréfaut, 49, que só na adolescência foi conhecer a pátria do pai.
Divulgação | ||
Cena do filme 'Alentejo, Alentejo', que será exibido hoje (28), na Mostra |
Não se trata de obra chorosa pelo passado, como é comum acontecer nesse tipo de resgate, que ouve anciãos e celebra costumes de outros tempos. Ao contrário, mostra que o antigo cante está vivo e se revoluciona: se antes só falava das lides do campo e de dores de amores, hoje se imiscui na política, alerta e protesta.
Tudo isso sem que seja necessária a voz do realizador ou a palavra de algum narrador. Tréfaut simplesmente deixa que os grupos corais cantem, falem, trabalhem. Aqui e acolá, uma entrevista: a conversa com dona
Catarina Amador, por exemplo, dramática em conteúdo, vira quase anedota pela forma da fala da anciã.
Mostra o cante se espraiando, atraindo jovens, sendo entoado por mulheres e grupos mistos —coisa quase impensável antes da Revolução de 25 de Abril (como também é conhecido o levante contra Salazar). No passado, lembra um dos entrevistados de Tréfaut, não havia isso não: "O professor era a enxada".
Hoje, ainda, o trabalho é o mestre —é exemplar (e apetitosa) a sequência que acompanha a produção de um grupo de padeiros, ritmada como o seu cantar nas horas de folga, e são dramáticas as tomadas da terra maltratada pela mineração. Mas o cante é também ensinado na escola (outra iniciativa pós-ditadura), e têm excesso de fofura as sequências que acompanham aulas em colégios primários do Alentejo.
No conjunto, "Alentejo Alentejo" é a um só tempo música, registro histórico e declaração de amor.
ALENTEJO, ALENTEJO
DIREÇÃO Sérgio Trefaut
PRODUÇÃO Portugal, 2014
MOSTRA ter (28), às 21h30, no Espaço Itaú - Frei Caneca
AVALIAÇÃO ótimo
Livraria da Folha
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