CRÍTICA
Sonetos de Paulo César Pinheiro são saturados de sentimentalismo
Mário Faustino afirmava nas suas páginas de crítica: "soneto é hors-d´oeuvre".
Queria demonstrar, contundente, que o prato principal da obra de um poeta não poderia ser apreciado por meio da tradicional forma fixa: o vigor estaria na singularidade e, quando fosse o caso, no aparecimento de novas formas.
Em outras palavras: é o poeta quem cria uma forma, e não o contrário. Reconhecia em Jorge de Lima (1893-1953) o maior poeta do modernismo brasileiro, e lembrou: "deixou alguns dos melhores sonetos da língua, tanto no sentido tradicional como no de renovar uma forma-fôrma enferrujada".
Rafael Andrade/Folhapress | ||
O compositor e poeta Paulo César Pinheiro na sede da gravadora Biscoito Fino, no Rio |
Os "Sonetos Sentimentais pra Violão e Orquestra", de Paulo César Pinheiro, permitem discutir as questões acima e, obviamente, provocar outras.
O poeta é conhecido letrista do cancioneiro popular do Brasil, autor de "Viagem" ("Oh! tristeza me desculpe / Estou de malas prontas / Hoje a poesia / Veio ao meu encontro"), "Eu, hein, Rosa!", "Canto das Três Raças", entre tantas outras que apontam para frondosa diversidade. No título do seu livro de sonetos, porém, o poeta salienta os aspectos "sentimentais" e anota, como um compositor, que as formas fixas seriam "pra violão e orquestra".
Não há dúvida quanto ao sentimentalismo dos sonetos de Paulo César Pinheiro: quase sem exceção, os mais de duzentos exemplares reunidos no livro tratam do amor, da mulher, do desejo, do sexo e de uma exposição rebarbativa do eu do poeta com notas emocionais e intensas, como em "Tsunami": "Eu tenho o coração de um argonauta, / Na alma a migração dos navegantes, / O que me falta é ter paixões de amantes, / O amor que me deixou não me faz falta".
As palavras "amor" e "coração" conduzem, na prática, a quase totalidade dos sonetos do livro - ao ponto da saturação.
Mas dificilmente se percebe por que esses sonetos seriam "pra violão e orquestra". A musicalidade dos versos é muitas vezes prejudicada pela métrica, nem sempre dominada à perfeição, como se lê num quarteto de "Cantiga": "Por mais caminhos que eu encontre e siga, / Ficou gravada em mim tua chegada, / A tua voz cantando uma balada / De uma poesia simples, doce e antiga".
Para muitos poetas, a tradição do soneto se confunde a uma percepção idealizada do poema e da própria poesia: como se o soneto exigisse a exacerbação do sentimentalismo e a catarse romântica.
Nesse sentido, os sonetos de Paulo César Pinheiro se avizinham dos que escreveu J. G. de Araújo Jorge (1914-1987), cultor emocionado da forma, autor de "Bazar de Ritmos" (1935) e "Meus Sonetos de Amor" (1961).
Nos dois poetas, o soneto é ícone e tradição - e logo se percebe que seus quatorze versos se transformam numa estrutura kitsch e imitativa.
Assim escreve Paulo César Pinheiro, em "Brinde": "A taça do teu ventre é que me banha. / E o néctar me torna mais liberto / Que o vinho, que o conhaque, que a champanha. // Por isso é que ergo um brinde e aos céus oferto. / Contigo tenho a sensação estranha / Morena, de que Deus está por perto."
Ou então a conclusão de "Cofre": "Não se ama ninguém pela metade, / Mas o cofre do amor não tem segredo / Quando os dois têm a chave da saudade."
E lá se vão meus anéis.
FELIPE FORTUNA, é poeta e diplomata. Publicou recentemente O Mundo à Solta (Topbooks), de poemas.
SONETOS SENTIMENTAIS PRA VIOLÃO E ORQUESTRA
AUTOR Paulo César Pinheiro
EDITORA 7Letras
QUANTO R$ 39 (220 págs.)
AVALIAÇÃO regular
Livraria da Folha
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