Crítica
Conversa de Cortázar com jornalista rende momentos saborosos
"Aceito. Mas terá que ser um livro muito louco!", respondeu o argentino Julio Cortázar ao escritor e jornalista uruguaio Omar Prego Gadea, selando, com essas palavras, o acordo de conceder um número indeterminado de entrevistas ao amigo.
Meses depois, em julho de 1983, começava a série de conversas que só iria ter fim com a morte de Cortázar, dez encontros e um ano depois. O resultado desses encontros está no livro "A Fascinação das Palavras" (editora Civilização Brasileira), que ganha nova edição no Brasil.
Envolvida num clima de absoluta cumplicidade, a conversa entre os amigos flui e jorra dezenas de preciosas reminiscências, revelações e reflexões do autor de "O Jogo da Amarelinha".
É um banquete saborosíssimo para os aficionados em sua obra e um convite para aqueles que ainda não mergulharam no surreal e fantástico mundo cortazariano.
Na primeira parte, dedicada à infância, Cortázar, além de revelar sua dificuldade em falar do assunto ("minhas lembranças são fragmentos de lembranças"), relembra a fascinação que as palavras sempre exerceram sobre ele.
"Uma das minhas lembranças da infância é me ver escrevendo palavras com o dedo numa parede. Eu esticava o dedo e escrevia palavras, vendo se formarem no ar. Palavras que já então eram, muitas delas, palavras fetiches, palavras mágicas."
Mas "A Fascinação das Palavras", o livro, encontra seu êxtase quando o escritor revela a origem, a inspiração e a técnica para escrever seus primorosos contos.
"Calculo que pelo menos uns 20% dos meus contos surgiram de pesadelos", diz, ao relatar como chegou a um de seus mais famosos textos,"A Casa Tomada"(do livro "Bestiário"), no qual dois irmãos são acuados em casa por um estranho ruído.
A Fascinação das Palavras |
Julio Cortázar e Omar Prego Gadea |
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"Nasceu de um pesadelo. [...] Era pleno verão, eu me levantei da cama e na mesma manhã escrevi o conto, de uma sentada."
Sua vida política, que começou com uma visita a Cuba em 1961, dois anos após a Revolução, também é comentada. A ilha o deixou bastante impressionado e empolgado. Seu fascínio pelo regime cubano, contudo, duraria pouco menos de três anos.
Avesso a qualquer tipo de gesso ou burocracia, Cortázar achava que "o socialismo deve ser uma fênix permanente, num processo de renovação e de invenção constantes [...]".
Por fim, pôs uma pá de cal no comunismo castrista ao condenar o modo como a homossexualidade era (e é) tratada na ilha. "Acho que esta atitude machista de rejeição, depreciativa e humilhante para a homossexualidade não é, absolutamente, uma atitude revolucionária."
Bem atual. Fascinante. E de fato "muito louco".
A FASCINAÇÃO DAS PALAVRAS
AUTORES Júlio Cortázar e Omar Prego Gadea
TRADUÇÃO Ari Roitman e Paulin Watch
EDITORA Civilização Brasileira
QUANTO R$ 55 (296 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo
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