Performance que expõe negros como animais vem ao país e causa polêmica
O encenador Brett Bailey está em São Paulo, e sua presença não passou despercebida. Nesta semana, ativistas de movimentos antirracistas iniciaram ataques ao artista sul-africano, por ora apenas nas redes sociais.
A razão da visita de Bailey é um conjunto de ações que visa preparar o terreno para a apresentação, em março do ano que vem, de seu polêmico "Exhibit B", um trabalho entre a performance e a exposição de arte que remonta aos zoos humanos realizados com negros na Europa no século 19 e no século 20.
Nas exibições, os espectadores, quase sempre solitariamente, passam por ambientes onde atores negros protagonizam situações que procuram, segundo o discurso do artista, abordar a opressão histórica sofrida pelos afrodescendentes. Há, por exemplo, a figura de uma mulher presa por correntes.
Murdo Macleod | ||
"Exhibit B" em apresentação no Festival de Edimburgo, em agosto de 2014 |
O lugar que abrigará a performance em São Paulo ainda não foi escolhido. Bailey está visitando imóveis que possam servir-lhe de palco. O espetáculo também deve ir ao Rio, a Belo Horizonte e a Fortaleza (leia à esquerda texto do produtor responsável pela peça na cidade).
Nesta terça (23) e na quarta (24), em São Paulo, audições foram feitas para a escolha do elenco regional da peça, programada pela curadoria da terceira edição da Mostra Internacional de Teatro de São Paulo, a MITsp.
Cerca de cem atores negros compareceram às sessões, onde Bailey, que é branco, expôs sua ideia, exibiu vídeos e falou sobre os conflitos criados com movimentos antirracistas.
"Exhibit B" já passou por 17 cidades mundo afora, desde 2010, e enfrentou protestos em Paris e em Londres. Por pressão de ativistas negros, a apresentação na capital inglesa, que seria realizada no ano passado, foi cancelada.
Bailey falou com exclusividade à Folha no hotel onde está hospedado na avenida Paulista. Para ele, sua peça é antirracista, não o contrário. "A intenção é denunciar o racismo", diz. Os protestos, no entanto, levaram-no a rever seu método de criação.
"Depois de Londres, meu processo se transformou um pouco. Agora, se vou ao Rio, a Belo Horizonte ou a São Paulo, preciso encontrar ativistas dessas cidades, colocá-los a par do que estou fazendo, de onde eu venho e por que estou fazendo isso. Preciso manter esse diálogo aberto", diz. Nesta semana, o artista se reuniu com ativistas locais.
Dois deles se recusaram a dar entrevista. Em sua página no Facebook, um deles escreveu: "Racistas não passarão! Isso não é visibilidade, não é empoderamento! Chorando vendo gente compartilhando e marcando pessoas pra participar disso. Não!".
Oito candidatos à "Exhibit B" também se recusaram a falar com a reportagem ao serem abordados, na quarta (24), na porta da Oficina Cultural Oswald de Andrade, local das audições.
Dois toparam. A atriz Eliane Santos, 44, afirma: "A peça não é racista. Por mais que eu vá apanhar [por estar dizendo isso]". O ator Jorge Neto, 25, diz que, após as audições, se sente disposto a participar da peça.
Bailey diz compreender "completamente" o ponto dos ataques. "O problema é que tanto em Londres como em Paris eles [os ativistas] se recusaram a ver a performance. Eles olham uma foto e dizem, 'esse trabalho é racista'", diz. "Em Paris, dois líderes acabaram vendo a peça e depois nos pediram desculpas, disseram que a peça lhes dava dignidade e não o contrário", defende-se.
É uma situação que se assemelha à da peça "A Mulher do Trem", do grupo Os Fofos Encenam, cuja sessão em São Paulo foi cancelada após pressão de ativistas negros. O espetáculo fazia uso do blackface – maquiagem de rosto preta, disseminada no século 19, que representa personagens negros.
"No Brasil, já temos inúmeros racistas autores de novelas, editores de revistas para importarmos mais um racista para o nosso teatro", diz a ativista Etiene Martins, 31, que esteve com Bailey em uma reunião em Belo Horizonte.
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