crítica
Consistente, biografia 'Tudo por Amor ao Cinema' garante emoção
O trabalho de Aurélio Michiles em "Tudo por Amor ao Cinema" é construir a "memória da memória". Como um arqueólogo que se debruça sobre o legado de outro arqueólogo –Cosme Alves Netto (1937-1996), figura lendária da preservação de cinema no Brasil–, o diretor transforma o que poderia ser um mero documentário biográfico em algo maior do que isso.
Amazonense como Cosme, Michiles já dedicou um filme a outro conterrâneo, o pioneiro do cinema Silvino Santos (1886-1970), em "O Cineasta da Selva" (1997). Desta vez, troca a aventura de alguém que pegou a câmera quando o cinema era novidade pela de um homem que se dedicou à guarda e à restauração de filmes quando muitos já corriam risco de se perder.
Para quem apostaria que a aventura de Cosme seria menos emocionante que a de Silvino, ledo engano. Sua trajetória pessoal e profissional garante muito movimento e emoção, organizados de forma consistente por uma montagem que alterna material de arquivo e cenas de filmes.
Da juventude romântica e de forte formação católica, passando pelos conflitos com o pai (poderoso político e empresário que criou o filho para cuidar de seus negócios), passando pelo envolvimento na militância política em plena ditadura militar e por duas prisões (em 1964 e 1965), o filme cobre um espectro que dá conta de parte da própria história do país e de sua produção cinematográfica.
Arquivo pessoal de Cosme Alves Netto | ||
O crítico José Carlos Avellar e Cosme Alves Netto nos anos 1980 |
A atuação na Cinemateca do MAM, claro, merece atenção especial. Como bem observa o crítico José Carlos Avellar em seu depoimento, "Cosme ultrapassou a guarda e a preservação para pensar um espaço de ação cultural". Sob sua gestão, a cinemateca se tornou um lugar vivo, em conexão com a cidade.
São lendárias, por exemplo, as sessões no cinema Paissandu, programadas por Fabiano Canosa a partir do acervo da cinemateca –uma iniciativa que acabou contribuindo para o nascimento de uma geração de cinéfilos (a "geração Paissandu").
As estratégias de Cosme para driblar a ditadura são responsáveis por outro ponto alto do filme. Além do suspense em torno de sua primeira prisão, há todo o esforço para salvar filmes da censura, sobretudo depois que ele testemunha policiais queimarem o contratipo de "O Encouraçado Potenkim".
A partir daí, obras que poderiam ser consideradas "subversivas" passam a ser guardadas com títulos falsos –incluindo os negativos do inacabado "Cabra Marcado para Morrer", de Eduardo Coutinho, guardado nas prateleiras com o título "Rosa do Campo".
Para além da importância da preservação da memória cinematográfica de um país, a questão que permanece, no fim de tudo, é a do significado dessa atitude como resistência cultural. Onde estão, hoje, as pessoas e os espaços que exercem essa resistência?
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