Novo filme de Walter Salles é um tributo ao cineasta chinês Jia Zhang-ke
O cineasta Jia Zhang-ke é um cronista das transformações da China pós-Mao Tsé-tung. Por suas lentes vagam mineradores, batedores de carteira, adolescentes desempregados e toda a sorte de párias perdidos entre a herança repressiva da Revolução Cultural e a draga voraz que é a potência asiática hoje.
E é pelas lentes de Walter Salles, outro entusiasta de narrativas sobre gente despida de poder, que vaga o diretor chinês no filme "Jia Zhang-ke, um Homem de Fenyang", obra dirigida pelo brasileiro.
No documentário, Salles se deixa conduzir por Zhang-ke: conhece atores, amigos de infância do diretor, vai à casa onde ele morou na poeirenta e empobrecida Fenyang, norte da China, e desvela histórias sobre privação e repressão nos país nos anos 1970 e 80. Aos poucos, o que se descortina é o drama social que o chinês exorcizou na forma de cinema.
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Jia Zhang-ke (esq.) e Walter Salles (dir.) nos bastidores do documentário |
"Ninguém filmou os efeitos devastadores da globalização como ele, de forma tão aguda e, ao mesmo tempo, com tamanha delicadeza e afeto por seus personagens", diz Salles à Folha. "Seus personagens viviam no outro lado do mundo, mas suas angústias e desejos poucas vezes me pareceram tão próximas."
O brasileiro intercala andanças junto a Zhang-ke com cenas de filmes como "Plataforma" (2000) e "Em Busca da Vida" (2006). Vasculha lugares em que foram rodados e acha ruínas: fábricas viram imóveis, prédios milenares são demolidos para saciar a megalomania chinesa.
"Mas continuam a existir em seus filmes. O cinema cumpre ali uma de suas funções principais: registrar uma geografia física e humana que não mais será", afirma Salles.
Fiando-se na memória, elemento central na obra do diretor chinês, Salles permite a Zhang-ke cavar lembranças do pai, que sofreu durante a Revolução Cultural e, mesmo depois dela, temeu pela repercussão dos longas dirigidos pelo filho: de fato, três deles foram proibidos, mas são vendidos em DVDs piratas.
Jia Zhang-ke por Walter Salles
Diretor de filmes sobre viagens que se revelam guinadas existenciais ("Terra Estrangeira", "Central do Brasil", "Diários de Motocicleta"), Walter Salles não vê semelhanças entre os seus personagens errantes e os de Zhang-ke, que também nutrem o desejo de vagar.
"Nos filmes dele, não se movem porque querem, por razões existenciais, mas porque não têm alternativa", diz, sobre os personagens que se deslocam atrás de trabalho.
Após o documentário, Walter Salles acena que deve rodar uma ficção em 2016, calcada em roteiro original, ao contrário de "Diários de Motocicleta" e "Na Estrada". "Senti forte desejo de voltar a desenvolver ideias originais. Esses roteiros estão ficando maduros", diz, sem detalhar mais o que pretende filmar.
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JIA ZHANG-KE POR WALTER SALLES
Três filmes do diretor chinês segundo o diretor brasileiro
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Cena do filme 'Um Toque de Pecado' |
"'Um Toque de Pecado' mostra como, em diversos lugares da China, as pessoas deixam de se submeter a uma ordem que lhes parece cada vez mais injusta. A violência vira uma forma de expressão daqueles que não são ouvidos. Proibido na China e dirigido como um "wuxia", um filme de artes marciais, descreve situações que poderiam acontecer em outros países, como o Brasil. Melhor roteiro em Cannes, em 2013." (Exibido hoje no Espaço Itaú Augusta, r. Augusta, 1.475, às 17h30)
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Cena de 'Em Busca da Vida' |
"'Em busca da vida' acompanha a busca de dois personagens por seus familiares numa área em que cidades milenares são desmobilizadas para dar lugar à gigantesca barragem das Três Gargantas. Enquanto tentam resgatar uma parte de suas vidas, é o esfacelamento da memória de um país que é registrado pela câmera de Jia Zhang-ke. Leão de Ouro no Festival de Veneza, em 2006."
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Cena de 'Plataforma', de Jia Zhang-ke |
"Em 'Plataforma', uma jovem trupe de teatro maoísta se desintegra à medida que o pais se converte a uma nova ordem econômica. Poucos cineastas falam tão bem do nosso tempo, da passagem da adolescência para a idade adulta, dos efeitos das mutações trazidas pela globalização quanto Jia Zhang-ke. Uma obra-prima sobre uma China em transe."
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FOLHA FAZ SESSÃO GRÁTIS COM DEBATE
"Jia Zhang-ke, um Homem de Fenyang" será exibido no Espaço Itaú-Augusta na quarta (2), às 20h. Após o filme, Walter Salles debate com Inácio Araújo, crítico da Folha, e com Renata Almeida, diretora da Mostra de São Paulo. Ingressos serão distribuídos a partir das 19h.
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