Teatros apelam a lasers de luz vermelha para coibir celular na plateia
As luzes do Theatro Municipal se apagam numa noite de sexta três semanas atrás. Antes de o som da ópera ocupar o prédio no centro de São Paulo, uma mulher levanta do lugar, chama um funcionário e sussurra desconfiar de que alguém estaria apontando uma arma para a plateia.
O ponto luminoso vermelho que dançava nas mãos de alguns frequentadores não nascia de um assassino serial americano treinando a mira. Foi o novo jeito que o teatro achou para inibir o uso de aparelhos luminosos, como celulares ou tablets, durante o espetáculo: apontar raio laser nos aparelhos que se ligam no breu da sala.
Eduardo Knapp/Folhapress | ||
Funcionárias do Theatro Municipa, em São Paulo, apontam seus lasers |
A brigada do Municipal é composta de oito funcionários, cada um com sua caneta laser, dessas que se compram na rua 25 de Março por cerca de R$ 10 cada uma.
Três deles ficam nas galerias do quinto andar, de onde veem quase todos os assentos e a mira é irrestrita.
Como atiradores de elite, os operadores de laser ficam à espreita, esperando o acender de luzes de celulares, tablets ou livros eletrônicos –sim, houve caso de pessoas lendo durante récitas.
O feixe de luz é apontado para o dispositivo ("Nunca para o rosto", repetiram seis funcionários ouvidos pela reportagem) que teima em rasgar a escuridão da sala.
A Folha acompanhou o trabalho dos indicadores, cujo principal trabalho é indicar os lugares a cada conviva.
Após o sinal de início do espetáculo, os funcionários se postam no beiral das frisas e ficam de prontidão.
COMO VIDEOGAME
Assim que as luzes se apagam e a orquestra termina a afinação (limite final para que os aparelhos sejam desligados), ocorre um "massacre" sobre os celulares.
Foram mais de 20 alvos nos dez primeiros minutos de "Manon Lescaut" no do dia 1º, uma terça. Cada vez que a luz pousava num aparelho, ele levava poucos segundos para tornar a se apagar –com exceção de um, que teve de ser mirado por duas luzes diferentes para sair de cena.
"Posso confessar que peguei gosto por fazer isso, tipo num videogame?", diz um funcionário com dois anos de casa, que pediu que seu nome não fosse publicado.
"Olha, me deu um baita susto", diz a psicóloga Ana Camargo, 56, pega em ato de delito quando ligou seu telefone, "para ver as horas".
"Mas eles têm razão em fazer isso. E o bom é que a luz já é vermelha, então disfarça a cor que sua cara fica pela vergonha de ter feito uma coisa horrorosa como espiar o celular na ópera. Perdão."
Outras "vítimas" não levam tão na esportiva. "É uma violação. Atrapalha muito mais que a luz de um celular por um segundo só. É espetaculoso!", disse um homem que não quis se identificar.
Não faltam táticas para tentar burlar a nova tecnologia, narram os funcionários.
"Vejo muita gente colocando o celular debaixo da camisa, ou usando um buraco que tem à frente de alguns assentos", diz Suely Guimarães Sousa, 25, uma das "atiradoras de elite" do Municipal.
A tecnologia foi testada no final de 2014. Considerada satisfatória, foi adotada há três óperas, no começo de 2015, e é vista com bons olhos pelo corpo diretivo do teatro.
"A tela acesa de um celular durante uma apresentação atrapalha muito as pessoas em volta", avalia John Neschling, diretor artístico da Fundação Theatro Municipal.
O dispositivo escolhido "incomoda somente a pessoa com o aparelho ligado", afirma o maestro Neschling. "É bem mais eficaz que uma chamada de um funcionário, que, ao atravessar a plateia, acaba por atrapalhar outra parcela do público."
Antes do feixe de luz, a intervenção era feita num esquema de "telefone sem fio". Abordava-se a pessoa mais próxima do corredor e pedia-se que ela passasse adiante a mensagem "desligue o celular", até chegar ao infrator.
ZARABATANA
A tática não é exclusiva do Municipal. O Lincoln Center, em Nova York, e a ópera de Los Angeles também lançam mão da manopla.
Marcelo Medici preferiu não comentar a sua ordem de colocar funcionários do teatro Frei Caneca para usar o laser na plateia de "Cada 2 com Seus Pobrema". Mas faz piada com o tema no palco, vestido de doméstica: "Olha, não é pra usar celular. Se insistir, vem um raio-X vermelho na sua cara. Depois, mandam matar com zarabatana".
Na sessão da comédia a que a Folha assistiu, as luzes vermelhas não precisaram ser ligadas nenhuma vez.
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