Chanel e Miu Miu criticam elite europeia na semana de moda de Paris
O alemão Karl Lagerfeld e a italiana Miuccia Prada talvez sejam os nomes mais representativos da moda mundial hoje. Não apenas porque ambos gerenciaram o estilo de algumas das marcas mais importantes do calendário internacional –o primeiro é estilista da Chanel; a segunda, da grife que leva seu sobrenome e também da jovem Miu Miu.
Tanto Lagerfeld quanto Prada são, na verdade, estetas do seu tempo e designers que conseguem vender imagens e peças de vestuário carregadas de ironia para uma parcela da elite que julga não ser afetada pelas crises migratória e econômica da Europa.
Conscientes disso, ambos os designers venderam em suas coleções apresentadas na semana de moda de Paris, que terminou na última quarta-feira (7), tudo o que essa clientela deseja: escapismo.
No último dia, os fashionistas que acompanharam a apresentação da Miu Miu se regojizavam com botas de couro com saltos adornados de cristais e casacos e vestidos com aplicações de brilho, tudo no estilo "glam rock".
Miguel Medina - 7.out.2015/AFP | ||
Modelo apresenta criação primavera-verão 2016 da Miu Miu |
O que as capas transparentes de cores adocicadas escondiam não eram apenas as camisas de alfaiataria, os maxi casacos com estampas vichy (tipo de xadrez) e toda a sorte de grafismos, mas uma mensagem de inconformismo que caracteriza o estilo estudado por Miuccia.
A onda "glam" surgiu a partir do fim do sonho de "paz e amor" do movimento hippie. O "flower power" característico do período de sonhos dos anos 1970 foi enterrado para dar lugar ao escapismo, o distanciamento folclórico vendido por ícones da música, como David Bowie e seu personagem Ziggy Stardust.
Dos anos 1980, Miuccia Prada resgata a música "Love Like Blood", da banda Killing Joke, para a trilha do seu show de glamour às avessas.
"Devemos conduzir nossas vidas como soldados em campo, mas a vida é curta e eu corro muito o tempo todo", diz um trecho da canção que ecoou pela sede do Conselho Econômico Social e Ambiental, onde ocorreu o desfile.
Killing Joke, vale lembrar, causou polêmica nos anos 1980: o grupo estampou a imagem de um nazista em um show como forma de protesto contra o conservadorismo.
BOJO DE ESCAPISMO
O recado é dos mais atuais, haja vista o clima de limpeza étnica que parte da sociedade europeia quer empreender ao negar a entrada de imigrantes nos países do continente.
A pele de raposa, elemento sempre nobre, apareceu em estolas penduradas nos ombros e na cintura das modelos, como se Miuccia lembrasse que, sobre todos nós, está o peso de vidas perdidas nas batalhas citadas na música.
Nesse bojo de escapismo, Lagerfeld ironizou o próprio meio de luxo em que a Chanel está inserida: montou no Grand Palais, na última terça-feira (6), um saguão de aeroporto com a inscrição "Chanel Airlines" impressa nos balcões de check-in construídos para a apresentação.
Patrick Kovarikc - 6.out.2015/AFP | ||
Desfile da Chanel com cenário que remete a um aeroporto |
O estilista quebrou a imagem um tanto antiga dos tailleurs que fizeram a fama da marca para investir pesado no "urbano chique", confeccionado com tecidos luxuosos.
Jaquetas que remetiam aos anos 1970, suéteres de cashmere fazendo par com saias amplas e vários casacos de tweed, material base da estética de Coco Chanel, compunham a coleção. Nos pés, sapatos para "bater perna", com destaque para os que tinham lâmpadas de LED piscando na sola.
KITSCH
As mulheres de Lagerfeld são quase kitsch e correm empunhando suas malas personalizadas com os dois "Cs" cruzados que identificam a marca, como se estivessem sempre de partida para um país distante, longe da realidade do cotidiano.
A imagem é fresca, chique e sutilmente irônica. Tudo na Chanel é feito para causar desejo imediato, e as bolsas em formato de frasqueiras, típicas das comissárias de bordo, fizeram tanto sucesso quanto os broches em formato de avião militar.
Os voos de Prada e Lagerfeld são altos e de primeira classe, mas ambos exploram o terreno da nobreza com os dois pés no chão e no presente, algo difícil de se conseguir no mundo cor-de-rosa da moda, que tenta desvendar o futuro sem olhar para os lados.
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