Travestis combatem 'Jair Malafaia' e 'Eduardo Feliciano' em filme
E se o Brasil vivesse sob uma ditadura religiosa comandada pelo chanceler Eduardo Feliciano e pelo general Jair Malafaia?
"Não precisei me esforçar muito para criar essa história", diz Ivan Ribeiro, 35. Para o diretor baiano, não há meras coincidências com a vida real no enredo de "Bodas do Diabo", curta-metragem que estreia nesta terça-feira (20), no Cine Olido, no centro de São Paulo.
Divulgação | ||
Bill Santos interpreta a travesti Veronika Stronger em 'Bodas do Diabo' |
Apesar de não dar nome aos bois, os alvos do cineasta são claros: os deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Marco Feliciano (PSC-SP) e Jair Bolsonaro (PP-RJ), mais o pastor carioca Silas Malafaia.
Todos são evangélicos e simpáticos a projetos como o Estatuto da Família –aprovado em setembro numa comissão da Câmara, o texto institui a entidade familiar como a união entre homem e mulher.
"Basta imaginar o futuro desejado pela direita conservadora evangélica e também católica. O Brasil que esse povo quer é totalmente distópico. Um país que não tenha gay mesmo", afirma Ribeiro.
Passado: em 1962, a revista "Fatos & Fotos" noticiou o casamento encenado entre uma transformista e um amante, numa boate de Copacabana, com esta chamada: "As bodas do diabo".
Presente: a definição virou título do quinto curta de Ribeiro.
Em 2014, seu projeto anterior venceu o Show do Gongo –aquela sessão clássica apresentada por Marisa Orth no festival Mix Brasil, na qual a plateia pode gongar filmes ruins e salvar os bons.
No vídeo gráfico "Shoshanna", uma transexual simula assassinar Cunha, Feliciano, Malafaia e Bolsonaro ao som de "People Are Strange" (The Doors).
A certa altura, entram "flashes" do clipe "Deus nos Amou", da pastora Ana Paula Valadão, vocalista do grupo Diante do Trono. "Quem pecar vai pagar/ Quem pecar vai morrer", ela canta rodeada de crianças.
"Shoshanna" caiu nas graças do público e levou o troféu Coelho de Prata. A personagem reaparece no novo curta de Ribeiro e traz "amigas travestis que estão bem com o foda-se para tudo isso", diz o diretor.
Futuro: "Bodas do Diabo" se passa em 2020. "O medo que vivemos em 2015 concretizou-se: foi instalada uma ditadura religiosa no Brasil", conta a sinopse.
Travestis se unem para combater o regime e libertar seu povo. Bill Santos, candidato a deputado federal pelo PSOL-SP nas últimas eleições, interpreta Veronika Stronger.
"É uma homenagem a Verônica Bolina, travesti que foi torturada pela Polícia Civil de São Paulo", diz Santos.
Refere-se à travesti que ficou desfigurada após apanhar na cadeia, em abril. Na ocasião, Verônica ratificou a versão policial do caso: "Possuída pelo demônio", teria recebido uma surra de outros presos e arrancado a dentadas a orelha de um carcereiro.
Valder Bastos, que encarna a drag queen Tchacka nas noites paulistanas, também está na equipe.
Em "Bodas do Diabo", Ivan Ribeiro funde cenas filmadas em protestos contra a presidente Dilma Rousseff, em março, a gravações do elenco na rua Augusta, na Vila Mariana e no Pacaembu.
Seu gênero, diz, é o "gayexplotation", que une a temática LGBT ao "exploitation", um tipo de cinema apelativo, violento e de baixo orçamento –Quentin Tarantino reverenciou esse filão em obras como "Pulp Fiction" e "Kill Bill". "Testosterona", o curta de estreia, é um bom exemplo: um rapaz arranca os testículos do namorado após ser traído.
Para Ribeiro, "é triste que não seja natural" a inclusão maciça de filmes gays em grandes festivais de cinema –a circulação acaba restrita a mostras como o Mix Brasil. É de se pensar, ele afirma, numa cota para o segmento em eventos que recebam dinheiro público.
OUTRO LADO
Os deputados Bolsonaro e Feliciano criticaram o curta-metragem que os "homenageou".
"Não tenho tempo de assistir a este tipo de lixo", afirma Bolsonaro. "Ele [Ivan Ribeiro] não devia combater a ditadura, afinal de contas, gosta de ditadura", completa o parlamentar, que vê no "ativismo gay" uma vocação para oprimir.
Já Feliciano, que também é pastor evangélico, diz que estuda tomar medidas legais contra o filme, caso se enquadre no artigo 208 do Código Penal Brasileiro, que fala sobre "escarnecer de alguém [...] por motivo de crença".
"Sou cinéfilo, mas um filme deste tipo coloca a religião como algo ruim. O diretor está nos atacando frontalmente, é uma obra preconceituosa", diz.
O deputado Eduardo Cunha e o pastor Silas Malafaia não foram encontrados pela Folha para comentar "Bodas do Diabo".
BODAS DO DIABO
Direção Ivan Ribeiro
Elenco Silvero Pereira, Bill Santos, Miguel Vicentim, Fabinho Vieira e Valder Bastos
Produção Brasil, 2015
Quando Terça-feira (20), às 19h
Onde Cine Olido, av. São João, 473, São Paulo
Livraria da Folha
- Box de DVD reúne dupla de clássicos de Andrei Tarkóvski
- Como atingir alta performance por meio da autorresponsabilidade
- 'Fluxos em Cadeia' analisa funcionamento e cotidiano do sistema penitenciário
- Livro analisa comunicações políticas entre Portugal, Brasil e Angola
- Livro traz mais de cem receitas de saladas que promovem saciedade