Semana tem chanchadas e boa narrativa de Thomas Vinterberg na TV
SEGUNDA-FEIRA (19)
Se existe uma coisa tradicional na chanchada, além dos cômicos e dos cantores com suas músicas de Carnaval, são os vigaristas.
A quantidade de vigaristas que tentam se passar por ricaços a fim de aplicar algum golpe é enorme. Não é tanto a uma suposta desonestidade endêmica que eles respondem, mas à natureza mesmo do Carnaval: a máscara, o ser outro é o essencial.
Em "É de Chuá" (1958, Canal Brasil, 19h) esse papel é representado por Renata Fronzi e Renato Restier. Do outro lado do balcão estarão o tira e seus amigos comediantes (Ankito e Grande Otelo).
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Os atores Grande Otelo (centro) e Ankito (dir.) em cena do filme "É de Chuá", realizado em 1958 |
Esse caráter lúdico, completado pelos muitos números musicais e cenas do Baile do Municipal (do Rio, claro), talvez seja o principal dessa chanchada de Victor Lima. Por hoje, o essencial é o grande Grande Otelo, cujo centenário se comemorou ontem.
Ainda hoje, em outro registro: "Deus e o Diabo na Terra do Sol" (1964, TV Brasil, 0h30).
TERÇA-FEIRA (20)
Certos filmes chamam a atenção pelo título: "O Sétimo Mandamento" (1962, TC Cult, 0h) é um deles, porque ninguém mais lembra, a não ser que seja um crente total, que mandamento é esse.
Têm muito mais prestígio o primeiro (amar a Deus etc.), o quarto (honrar pai e mãe), o sexto (não matar) e, sobretudo, o nono (o referente à mulher do próximo). Este, aliás, deu nome a um melodrama belíssimo, que nunca passa em TV.
O sétimo aqui presente diz respeito a um ladrão de obras de arte simpaticão (Rex Harrison) que tem por discípula, e não só, Rita Hayworth. O título brasileiro, bem impróprio, não cai bem numa comédia. Mas sosseguemos: o filme foi mundialmente esquecido.
Não custará porém desenterrá-lo, pois para além de eventuais dissabores com enredo etc. existirá sempre Rita Hayworth, ainda uma bela quarentona, e Alida Valli, idem.
QUARTA-FEIRA (21)
O que está em questão em "A Caça" (2012, TC Cult, 18h) não é tanto a pedofilia quanto a circulação perversa de informação. No Brasil, sabemos, ela desembocou no lamentável caso da Escola Base.
No filme de Thomas Vinterberg temos a história de um professor de jardim de infância pilhado em situação duvidosa com uma criança. Quer dizer: sabemos desde sempre que esse duvidoso só é duvidoso na cabeça paranoica de quem assiste à cena.
Efe | ||
O ator dinamarquês Mads Mikkelsen em cena do filme "A Caça" |
Mas, que importa? A julgar pelo filme, não é só Brasil que está atolado na mentalidade de mata-esfola. Aqui estamos na Dinamarca (ou Suécia? Enfim, dá no mesmo) e a repercussão do caso é arrasadora.
A maneira como se induz a criança a dizer algo comprometedor contra o homem é algo que depõe a favor da boa narrativa de Vinterberg e é fator central do melodrama. Mas não o único. E Mads Mikkelsen, o ator, é formidável.
QUINTA-FEIRA (22)
Graças ao centenário de Grande Otelo temos uma espécie de semana da chanchada no Canal Brasil. Hoje "Vai que É Mole" (19h) faz as honras da casa, com a história de um trio de ladrões que, para bem educar uma criança, resolvem se regenerar.
Em vista de uma boa ação, acabam num programa de TV (pois o filme é de 1960, o rádio caiu de moda), o que será o motivo da complicação que se seguirá.
Algo repete a chanchada da segunda-feira: Grande Otelo, Ankito, Renata Fronzi, Renato Restier. A eles vai se juntar Jô Soares. Na produção, o nome central agora é Herbert Richers, e não mais Massaini.
E na direção há J.B. Tanko. Luis Alberto Rocha Melo distingue a chanchada da tradição de José Carlos Burle (seria a de Copacabana) da de Victor Lima (do Rio Comprido, herdeiro de Lulu de Barros). E Tanko? Seria a tradição de Zagreb? Ou um deslocamento, digamos: um Leme?
SEXTA-FEIRA (23)
Com "Os Cosmonautas" (1962, Canal Brasil, 19h) Ronald Golias chega ao círculo chanchadeiro (ao menos o desta semana). Grande Otelo, claro, está presente.
Ele faz o agente que busca cosmonautas para o programa espacial brasileiro, que mandou um macaco para o espaço. Agora, busca seres cuja falta ninguém sentiria se sumissem do mapa. Os escolhidos são um bandido (Atila Iorio) e um vendedor de aspiradores (Golias).
É outro filme de Victor Lima. Luis Alberto Rocha Melo vê em Lima um cultor da chanchada na linhagem radical: um discípulo de Lulu de Barros, com seus enquadramentos frontais e estáticos.
É um ponto de vista a reter, sobretudo num momento em que o cinema está atolado nessa mistura de submissão a Hollywood e à Globo. Mas, cá entre nós, vale mais se fiar no elenco, cujas virtudes não são poucas.
No mais: o genial "Morte no Funeral" (2007, tbs, 14h). O de Frank Oz.
SÁBADO (24)
Não é fácil a vida no cinema. Mesmo Olivier Assayas, um dos melhores diretores franceses surgidos depois da geração da nouvelle vague, que o diga.
Seu agudíssimo "Depois de Maio" não deu público. Em vista disso, ele voltou-se ao "filme de estrela" para sair do buraco. Com efeito, "Acima das Nuvens" (2014, TC Cult, 22h) teve mais do dobro de espectadores na França.
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Juliette Binoche e Kristen Stewart em "Acima das Nuvens" |
Claro: lá há Juliette Binoche, xodó nacional, como a atriz veterana, convidada a representar a mesma peça que a tornou famosa, uns anos e anos atrás. Só que agora o papel é outro. E ver-se envelhecer não será fácil. Acompanha o seu drama a secretária Kristen Stewart (jovem estrela de "Crepúsculo").
Depois virá a nova estrela, a que fará o papel que foi de Binoche. Novos modos. Bem americanos. Porque, mesmo na hora da dificuldade, Assayas confronta a decadência europeia à vitalidade americana.
DOMINGO (25)
Quem disse que no cinema é necessário acontecerem coisas de maneira frenética? O mais aclamado dos clássicos modernos ("O Poderoso Chefão") é de uma lentidão avassaladora.
Talvez perca nesse quesito apenas para "Era Uma Vez no Oeste" (1969, TC Cult, 22h). Tomemos os primeiros minutos. Alguém invade uma estação de trem. E nada acontece.
Depois três homens ameaçadores se postam no lugar. E trocam olhares. E levam a mão ao coldre. E olham feio de novo.
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Henry Fonda e Charles Bronson (ao fundo) em cena de "Era Uma Vez no Oeste" |
O que ocorre é que Sergio Leone sabe, como no Brasil Glauber Rocha, buscar a ópera onde ela não é suposta estar. A lentidão cria uma atmosfera quase irrespirável, ameaçadora. Nos sentimos mínimos diante dessa secura eloquente.
E, depois, um outro homem que surge. E um tiroteio feroz, porém rapidíssimo. O Oeste de fábula mostra-se, desde então, Oeste fabuloso.
Livraria da Folha
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