Ventanias em Campinas ameaçam figueira centenária de Hilda Hilst
Os fortes ventos que atingem Campinas ameaçam uma figueira histórica, além de todo o jardim de mais de 9.000 m2 quadrados que circunda a Casa do Sol, morada da escritora Hilda Hilst (1930-2004) por quatro décadas.
Em setembro, uma ventania derrubou seis árvores do jardim, destruindo parte do muro e do portão original da residência onde hoje funciona o instituto que leva o nome da escritora e é responsável por preservar boa parte de seu acervo.
Acionada, a Secretaria de Serviços Públicos da Prefeitura de Campinas realizou um laudo e localizou uma série de outras árvores que correm risco de queda no local —entre elas guapuruvus, eritrinas e aroeiras.
O laudo tornou-se ponto de discórdia entre o instituto e a prefeitura. Com o custo de R$ 23 mil para realizar a retirada dos troncos e podas de galhos secos, o governo se recusou a fazer o serviço.
A secretaria alega que, embora tombada pelo patrimônio cultural, a casa é propriedade particular e, portanto, não seria responsabilidade do poder público.
"A prefeitura reconhece a relevância cultural, histórica e afetiva da propriedade, mas não pode fazer isso, senão abrirá um precedente", explica a assessoria de imprensa do órgão.
Segundo Daniel Fuentes, presidente do instituto, como o proprietário do bem tombado não tem condições de arcar com sua manutenção, o governo deveria se tornar corresponsável. "É uma questão de bom senso. Eles têm a equipe, poderiam resolver isso em dois minutos, mas negaram por total falta de sensibilidade", diz.
Para o vereador Gustavo Petta (PCdoB), que realizou um pedido de auxílio junto à Prefeitura de Campinas, existe um "mecanismo de transferência de recursos por potencial construtivo". Ou seja, a prefeitura poderia ajudar o Instituto Hilda Hilst a arcar com os custos.
"Eu considero que isso deveria ser levado em conta, mas o governo considera que não", diz o vereador, que pretende realizar um novo apelo aos órgãos públicos.
Com a recusa da prefeitura, Daniel decidiu criar uma vaquinha virtual a fim de arrecadar parte do dinheiro necessário à retirada das árvores. Segundo ele, ainda assim o instituto terá que realizar um empréstimo e fazer cortes na folha de pagamento.
"Com a crise do mercado cultural, tudo ficou em 'stand by' [...] Estávamos no limite para não cair no vermelho e agora caiu. Na prática, isso vai fazer com que a gente ande para trás, demita um funcionário e tenha que fazer empréstimo bancário. É uma loucura."
O objetivo da campanha é arrecadar R$ 6.500 até o fim de janeiro. Por enquanto, apenas R$ 325 foram levantados via plataforma. Fuentes diz que um doador optou por depositar R$ 800 diretamente na conta do instituto.
Na página da vaquinha, há uma nota de repúdio à decisão da prefeitura e links para o laudo e orçamento realizados.
"Campinas nunca olhou para a Casa do Sol. Desde os tempos da Hilda", diz Fuentes.
FIGUEIRA MÁGICA
Caso caiam, as espécies podem atingir a famosa figueira que emprestou sua sombra à criação da Hilda.
Em 2001, disse a escritora sobre a árvore durante uma entrevista ao "Suplemento Literário de Minas Gerais": "Essa figueira acho que tem uns trezentos anos. Ela atende pedidos. Hoje, aliás, é um bom dia, por causa da lua cheia. Tudo o que eu pedi pra essa figueira deu certo. O que os meus amigos pediram também aconteceu".
O dramaturgo Caio Fernando Abreu, cita a escritora, pediu que sua voz engrossasse. "Ele tinha uma voz muito fina, quase não falava, de medo que os outros rissem. [...] No dia seguinte, ele estava com outra voz. Fiquei besta. Ele veio me cumprimentar de manhã e eu não sabia quem é que estava falando. É cada coisa que acontece aqui nessa casa"
Hilda também pediu à figueira, quando menina, que pudesse construir uma casa naquele terreno.
"Minha mãe tinha uma hipoteca sobre toda a fazenda. Daí eu tive que pagar, porque a mamãe estava sem dinheiro na época. Houve até um homem, chamado Pedro Romero, que se propôs a pagar a hipoteca em troca da figueira. Propôs na frente dos advogados, todos esperando com a caneta na mão. Eu disse: 'Não, essa figueira sou eu mesma. Não posso me vender para o senhor'. Todo mundo ficou boquiaberto. Depois de uma meia hora, ele topou pagar a dívida sem me tomar a figueira", conta escritora na mesma entrevista.
Dizem também as más línguas que, numa tarde de sol agradável no jardim da Casa do Sol, Jô Soares quebrou a mesa que fica sob a árvore, ao sentar-se sobre seu tampo de pedra. O apresentador nega o ocorrido.
Marcos Ribolli/Folhapress | ||
Figueira sob a qual a escritora Hilda Hilst passava o dia escrevendo seus livros e poemas |
ACERVO
Desde o começo do ano, o Instituto Hilda Hilst realiza, na Casa do Sol, a organização do acervo da escritora.
O projeto é financiado pelo Itaú Cultural via lei Rouanet, com orçamento de R$ 773 mil, e deve ter sua primeira fase —que consiste na higienização de documentos e livros— terminada nas próximas semanas. A partir do ano que vem, dá-se início o processo de digitalização do acervo.
Segundo Fuentes, as árvores em risco de queda não ameaçam a estrutura da casa, nem o arquivo guardado em seu interior.
Mas talvez a figueira tenha mais alguns pedidos a receber nas próximas semanas.
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