crítica
Arrigo Barnabé cria um belo híbrido entre teatro e canto
"Não se pode confiar em um piano sem saber o que ele tem dentro". A frase da ópera "O Homem dos Crocodilos", de Arrigo Barnabé, sintetiza a relação que o compositor estabelece com a linguagem híbrida do espetáculo.
Teatro e canto são, para ele, "águas perigosas" que, a partir da música, desembocam em um gibi de Luiz Gê (que a plateia recebe e manuseia). Tudo isso corre por dentro da tragicomédia insólita do protagonista Antonio, músico que busca na psicanálise a cura para uma fobia que vê em cada piano um crocodilo em potencial.
A obra está em cartaz no Theatro São Pedro em espetáculo que traz ainda "Édipo Rei", de Stravinski (1882-1971).
Lenise Pinheiro/Folhapress | ||
Arrigo Barnabé e Ana Amelia em 'O Homem dos Crocodilos' |
Arrigo radicaliza o hibridismo sem deixar de ir fundo na autonomia de cada linguagem. Canto lírico (acústico) é interrompido na pura fala, e justaposto à fala-cantada (amplificada) dos narradores (o próprio Arrigo e Ana Amélia). Na música (dirigida por Paulo Braga), uma guitarra elétrica se equilibra com os instrumentos acústicos.
Na estreia (18), Thiago Pinheiro arrasou como Antonio, e foi bom ver Keyla de Moraes interpretar com desenvoltura o difícil papel da psicanalista; mas os melhores momentos puramente musicais estiveram com Denise de Freitas (como a Mãe).
Ela mesma alternou microfone e projeção acústica em "Fecho Teus Olhos" (transformada por Arrigo em uma bossa nova arquetípica), só superada pelo dueto com cello "Adormece em Meus Braços".
A cenografia inspira-se nos quadrinhos de Gê, e a direção de Caetano Vilela aperta no espaço o mundo interior do protagonista, o que dá movimento a uma história que, exteriormente, se passa na estaticidade de um consultório.
CONTORNO MONOLÍTICO
Já em "Édipo Rei", Vilela toma o cuidado oposto, que é o de paralisar a visualidade, torná-la um contorno monolítico para as loucuras sonoras de Stravinski. Cantada em latim, a música –cheia de arcaísmos– antecipa em quase dez anos elementos de "Carmina Burana", de Carl Orff (1895-1982).
A sequência das récitas deve ajudar a Orquestra do Theatro São Pedro (dirigida por Luiz Fernando Malheiro) a tirar mais volume e timbres do som modernista de Stravinski.
O baixo Gustavo Lassen foi um excelente Tirésias, e Paulo Mandarino esteve muito bem no papel agudo e plano de Édipo, o autoconfiante rei tebano que não sabe já ter consumado a sina terrível de matar o pai e se casar com a mãe.
Contar com a linda voz de Eliane Coelho como Jocasta é um privilégio, mas não foi fácil ouvi-la claramente nos trechos mais densos com o coro.
Enfim, Arrigo Barnabé (ele mesmo músico-narrador de sua própria música) interpretou o narrador de "Édipo Rei" com distanciamento certeiro.
O HOMEM DOS CROCODILOS E ÉDIPO REI
QUANDO qua. (25) e sex. (27), às 20h; dom. (29), às 17h
ONDE Theatro São Pedro, r. Dr. Albuquerque Lins, 207, tel. (11) 3667-0499
QUANTO R$ 20 a R$ 60
CLASSIFICAÇÃO 10 anos
AVALIAÇÃO muito bom
Livraria da Folha
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