CRÍTICA
Espaço à imaginação e elenco sustentam o delicado 'Ausência'
Não é fácil a vida de um filme pequeno e delicado em meio a um circuito comercial dominado por títulos como "007" e "Jogos Vorazes". "Pequeno" em termos, porque "Ausência" tem muito a dizer, embora o faça com economia de recursos e simplicidade.
Dirigido por Chico Teixeira, (des)conhecido do grande público pelo surpreendente "A Casa de Alice" (2007), "Ausência" gira em torno da história de um adolescente, Serginho (Matheus Fagundes) e dos personagens que orbitam seu mundo.
O principal deles, e um que vai marcar a vida do menino, é justamente o "ausente" do título do filme: o pai, que abandona a família e deixa Serginho morando com a mãe (Gilda Nomacce) e um irmão menor. O pai só aparece no início, tirando seus pertences de casa. Dali em diante, o menino faz de tudo para superar a perda da figura paterna.
Divulgação | ||
Matheus Fagundes (esq.) e Thiago de Matos em cena do filme "Ausência", de Chico Teixeira |
Serginho torna-se o verdadeiro "homem" da casa: ajuda nas despesas familiares trabalhando numa feira livre com um tio, toma conta do irmão e socorre a mãe depois de suas habituais ressacas pós-bebedeira (em uma cena particularmente bonita, o menino a consola como se fosse ele o adulto).
A falta do pai leva o menino a se envolver com uma figura um tanto misteriosa, Ney (Irandhir Santos), um cliente que vira amigo e confidente.
É na feira que vira adulto: ele sofre bullying e pequenas violências nas mãos de um feirante, se interessa por Silvinha (Andreia Mayumi), que trabalha em uma barraca de peixe, e faz amizade com Mudinho (Thiago de Matos), um rapaz que vive de biscates.
O tio, Lazinho (Antonio Ravan), menciona que o pai de Serginho ainda deve dinheiro a muita gente. O roteiro não se preocupa em detalhar essas histórias, porque não é necessário: o caos da vida do menino está evidente.
Uma das maiores qualidades do filme é justamente a de não explicitar tudo para o espectador e deixar muito a cargo da imaginação.
Há cenas que sugerem certas coisas –o sangramento no nariz de Serginho, a maneira mais do que carinhosa com que o professor Ney olha para o menino, os atalhos que ele usa para não esbarrar com o chucro que o ameaça– que estão ali para complementar e enriquecer a história.
CIDADE CINZA
O cenário de "Ausência" é a São Paulo suburbana da classe média baixa, uma cidade cinza, feia e poluída, que parece não trazer nenhuma esperança de dias melhores. A fotografia realista e crua de Ivo Lopes Araújo não adiciona verniz ou brilho à aridez da metrópole, realçando seu clima melancólico.
Outro ponto forte de "Ausência" é o elenco. Gilda Nomacce e Irandhir Santos são grandes atores e estão perfeitos. Mas o elenco jovem surpreende, especialmente Matheus Fagundes, que leva cenas longas e dramáticas ao lado de Nomacce e Santos com segurança. Enfim, um filme de muita qualidade e que merece encontrar seu público.
ANDRÉ BARCINSKI é jornalista e autor do livro "Pavões Misteriosos" (Três Estrelas)
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