Em novo livro, Vladimir Safatle discute o papel da afeição na política
"Aquele que controla a dimensão do visível, do sensível e do perceptível controla o modo de circulação de questões e embates no interior do campo político", afirma o professor de filosofia da USP e colunista da Folha Vladimir Safatle.
Ele acaba de lançar o livro "O Circuito dos Afetos", no qual busca explicitar a importância dos afetos para a política e para a vida em sociedade. "Política não é só uma questão de circulação de bens e de riqueza, mas é fundamentalmente uma questão de circulação de afetos", explica ele em entrevista.
Sua tese de doutorado, defendida em 2002, tratava da relação entre o pensamento do psicanalista Jacques Lacan (1901-1981) e a dialética e da teoria do sujeito na psicanálise. É a partir dessa base que se desdobraram os estudos que levaram a "Grande Hotel Abismo" (2012, Martins Fontes) e a seu mais novo livro.
Bruno Poletti/Folhapress | ||
Vladimir Safatle, colunista da Folha e autor de "O Circuito dos Afetos" |
Neste, ele passa pelas questões sobre o sujeito levantadas nos últimos anos pela filosofia francesa –e que têm repercussão no pensamento sobre a política, as artes e a moral– para mostrar como alguns acontecimentos são capazes de mudar a percepção de tempo e espaço, obrigando as pessoas a mudar sua maneira de sentir.
"Muitas vezes as ações políticas ficam bloqueadas porque a nossa maneira de perceber, de vivenciar e de sentir fica aprisionada por um certo regime de organização de problemas", diz ele. "Eu me pergunto se muito da miséria política que vivemos atualmente, no Brasil e no mundo de forma geral, não vem dessa dificuldade."
UTOPIA
Ao longo do século 17 convencionaram-se afetos relacionados à vida política. Em Hobbes, o afeto fundamental é o medo, que leva a uma compreensão da sociedade como guerra de todos contra todos, e, em Spinoza, é o seu contrário, a esperança. Tais afetos levam a interpretações da política que vão, com o medo, da segurança como demanda primordial a, no outro extremo, completa utopia.
Safatle, porém, segue Freud e elege como afeto fundamental o desamparo. "Estamos desamparados quando não sabemos como reagir, como lidar com o que é da ordem da radicalidade dos acontecimentos", diz.
Ainda assim, é possível lidar com o que foge ao controle e chegar à emancipação, que, de acordo com ele, "é um reconhecimento de que nunca estarei na jurisdição de mim mesmo, mas de que a relação com o outro não deve ser na forma de dominação ou servidão."
Pensar a política sem pensar os afetos, segundo o professor, é ignorar que eles sempre estarão implicados ali.
"A visão de política como racional, que deve afastar os afetos, nunca existiu e nunca existirá, porque parte do pressuposto errado de que os afetos seriam da dimensão do irracional", diz. "Seria mais correto se perguntar pela racionalidade dos afetos."
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FILÓSOFO FARÁ BATE-PAPO GRATUITO
Na terça (1º/12), às 20h, Safatle se reúne com os pensadores Peter Pál Pelbart (PUC-SP), Ricardo Musse (USP) e Jorge de Almeida (USP) para o debate O Circuito dos Afetos: Corpos Políticos, Desamparo e o Fim do Indivíduo no Sesc Bom Retiro (al. Nothmann, 185, tel. 11-3332-3600). Entrada gratuita.
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