Louis Garrel expõe fragilidade masculina em novo filme
Se fosse brasileiro, Louis Garrel, 32, definiria o sentimento de vazio que sente "de vez em quando" dentro do peito como "sofrência", palavra popularizada pelo cantor baiano Pablo para traduzir a dor da perda de uma grande amor.
Mas, como é francês, o ator fetiche da modernolândia cinematográfica –e, agora, diretor de longa-metragem– sente mesmo é "angústia".
Os personagens de "Dois Amigos" –a ser lançado no Brasil na quinta (3)– carregam traços da mesma personalidade mergulhada no vazio existencial que o ator encarnou em diversos papéis, como o adolescente Theo, em "Os Sonhadores" (2003), de Bernardo Bertolucci.
"A gente sempre tem um certo tipo de angústia, de não ser amado, de perder o trabalho. Quando fazemos cinema ou teatro, transpomos essas sensações que testemunhamos", diz o ator à Folha.
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O ator e diretor francês Louis Garrel, 32 |
Garrel é o próprio estereótipo: de cabelos desgrenhados, fumante compulsivo e de beleza desconcertante. "Durante muito tempo a ideia de representar um estereótipo francês me agradou. Filmava sempre com cineastas próximos a mim, por medo de me distanciar desse padrão", revela.
Na entrevista, realizada no restaurante do cinema Reserva Cultural, na avenida Paulista, entre garfadas de salada e baforadas num cigarro eletrônico –Garrel havia parado de fumar há dois dias–, ele diz que agora tenta se desgarrar dessa aura.
"Estava preso numa zona de conforto, agora, sinto vontade de criar máscaras. Tenho prazer em me fantasiar", sorri, com o canto da boca. Parar de fumar, assume, é um desses passos.
PLATONISMO
Ainda que Louis Garrel queira assumir novas máscaras em sua carreira e se desvincular da imagem de garoto parisiense intelectual impressa em suas atuações, sua estreia na direção de longas denota algumas obsessões arraigadas, seja na frente ou atrás das câmeras.
Primeiramente, o enredo de "Dois Amigos" gira em torno de amor e amizade, dois temas caros ao ator e aos cineastas com quem trabalhou.
O triângulo amoroso de Mona (Goldshifteh Farahani), Clément (Vincent Macaigne) e Abel (Louis Garrel) pode não ser tão confuso quanto o de "Os Sonhadores".
Nem tão pecaminoso quanto o amor que Garrel sentia pela mãe (Isabelle Huppert) em "Ma Mère" (2004), de Christophe Honoré.
Ainda assim, "Dois Amigos" trata da relação de pessoas conectadas por uma paixão platônica.
A linha entre o amor e a amizade é testada em cenas de afeto entre os dois amigos. O sentimento não correspondido que Clément tem por Mona, catalisadora das desavenças entre os homens, é construído para que o espectador descubra a personalidade dos rapazes.
Principalmente a de Abel, que sonha em ser escritor e atua como conselheiro amoroso de Clément, o amigo apaixonado que, por sua vez, se vê sem saída ao perceber que Mona, uma presidiária em regime condicional, apaixonou-se por Abel.
Garrel define o filme como um "longa feminino", uma história que se opõe à noção de que não possa haver um comportamento frágil na relação de amizade entre dois homens.
"No amor, nos comunicamos de alma para alma; na amizade, também. Um amigo pode sentir a aproximação física do outro sendo apenas um amigo. É esse lado frágil da amizade de que trata o filme", explica o diretor.
Uma outra "obsessão" da filmografia do ator é a cidade de Paris. Se nos filmes em que atuou os pontos turísticos e o olhar romantizado da cidade preenchem a tela, "Dois Amigos" revela uma capital desconhecida.
SUJA
"Queria que os próprios parisienses não identificassem a cidade", diz o cineasta, que filmou as ruas, a estação de trem Gare du Nord e os bares onde se desenrola a trama sob ângulos pouco explorados.
Paris, sob uma aura suja e inóspita, está ali como personagem secundário.
Sobre o ataque terrorista à cidade, Garrel diz:
"Acho que não haverá reação imediata porque minha geração está mais preocupada em tornar as coisas leves. É claro que a cultura será impactada, mas, nesse momento, pensamos muito mais como sair dessa situação."
Ele não vê conotação política no fato de ter escalado Goldshifteh Farahani como Mona. A atriz tem origem muçulmana e foi banida do Irã, seu país natal, por ter aparecido seminua em uma matéria do jornal "Le Figaro".
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