CRÍTICA
'Pauzinho do Matrimónio' é joia resgatada do reino proibido
Uma pequena joia resgatada do reino do proibido, das faces ruborizadas, das alcovas, do não dito e da pudicícia de tempos idos. Temos um tesouro.
Ainda mais reluzente porque a autoria dos textos é desconhecida. "O Pauzinho do Matrimónio: Almanaque Perpétuo" circulou pela Europa no fim do século 19 e agora volta em grande estilo.
Não obstante, corre o risco de encalhar. Quem senão os amigos dos editores, as viúvas de Carlos Zéfiro e os "leitores" da revista "Playboy" teria, hoje, interesse pelo almanaque? "O Pauzinho do Matrimónio" é uma peça para iniciados.
Eu me incluo entre viúvas de Carlos Zéfiro. E me declaro inocente perto da figura entediada do meu sobrinho de 11 anos diante do computador. "Tá vendo o quê, garoto?"
Divulgação | ||
Ilustração de Rafael Bordalo Pinheiro para 'O Pauzinho do Matrimónio', da Tinta-da-China |
Decerto o autor de "O Pauzinho..." quis debochar da rubrica dos almanaques que invadiram os lares das boas famílias à época. O cardápio dessas publicações abarcava desde calendários, adágios, adivinhações, enigmas, anedotas e pequenos contos até textos pseudocientíficos. E, assim, para distração dele (autor) e logro da distinta plateia, surgiu esse almanaque de sacanagens, ilustrado por Rafael Bordalo, tido como um dos maiores caricaturistas portugueses de todos os tempos.
Bordalo viveu e trabalhou no Rio de Janeiro de 1875 a 1879. Não é de todo estapafúrdio especular que os textos "apócrifos" de "O Pauzinho..." poderiam ter saído diretamente das tertúlias da República das Laranjeiras, grupo ao qual pertencia e que reunia amantes da vida airada e das artes -afinal, nada mais parecido com "O Pauzinho do Matrimónio" do que esses "janotas alfacinhas" e suas mais atrevidas cocotas que despiam-se
a partir das mãozinhas: "Ficou nua a mão (...) Era um poema em cinco cantos. Cada dedo uma epopeia de beleza".
Melhor não revelar o site frequentado por meu sobrinho entediado. Os poucos leitores do almanaque poderiam ter um siricotico e morrer lívidos de tesão e repugnância.
Dentre as "receitas" do almanaque destaco "A arte de gozar e fazer gozar", que funciona como uma turgescência dentro da sacanagem em si. Os arqueologistas e onanistas de sacristia vão adorar.
MARCELO MIRISOLA é autor de "O Herói Devolvido" (34) e "Charque" (Barcarolla)
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