CRÍTICA
Roteiro foge do convencional e faz da vida de Jobs uma tragédia grega
"Steve Jobs" é um filme deliberadamente esquemático. Para dar conta do personagem, o roteirista Aaron Sorkin dividiu a narrativa em três capítulos sobre os bastidores do lançamento de três produtos que Jobs criou: o Mac, o Next e o iMac.
Em cada capítulo, Jobs (Michael Fassbender) é visitado pelos mesmos personagens: a filha Lisa e a mãe desta; Steve Wozniak (Seth Rogen), cofundador da Apple, e John Sculley (Jeff Daniels), CEO que entrou para a história por demiti-lo.
E, em todos lançamentos, ele é acompanhado de perto por sua assistente pessoal, Joanna Hoffman (Kate Winslet), que funciona como uma espécie de superego para o id de Jobs.
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Michael Fassbender como Steve Jobs no longa homônimo |
A princípio, o esquematismo parece ser o ponto fraco do filme, mas acaba se revelando uma de suas forças. Foi a forma que Sorkin achou para fugir da biografia convencional e transformar a vida de Jobs em tragédia grega, com atos que mostram ascensão, queda e renascimento do herói.
"Steve Jobs" é uma tragédia sobre a orfandade. Jobs sofre porque foi rejeitado pelos pais biológicos. Lisa sofre porque Jobs não a assume como filha. Steve Wozniak sofre porque Jobs não o reconhece como pai do sucesso da Apple.
E Sculley sofre porque se vê obrigado a trair Jobs, que o via como uma figura paterna no mundo corporativo. "Steve Jobs" é também uma tragédia sobre destino e controle. Como Jobs não consegue controlar o destino (a recusa dos pais, o nascimento da filha, a demissão da empresa que criou), ele precisará controlar obsessivamente os produtos que cria.
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Cena de "Steve Jobs", dirigido por Danny Boyle |
Como um homem que quer ser um deus, Jobs conceberá cada um de seus produtos como um universo autônomo, fechado, hermético, sem comunicação com outros mundos.
E, como em toda tragédia grega, "Steve Jobs" oferece amplas possibilidades de leituras psicológicas. Não é preciso ler a obra de Freud para ver o personagem como um pequeno gênio que nunca superou a fase anal, com sua personalidade obsessivo-compulsiva, rígida, dominadora.
Como se vê, outra das virtudes do filme é não se transformar na biografia de um santo. Ao contrário, o criador criou uma narrativa à semelhança da criatura: fria, compartimentada, complexa.
E, nesse caso, o criador é antes o roteirista (Sorkin) do que o diretor (Danny Boyle). O filme depende muito mais da estrutura narrativa e de sua sofisticada esgrima verbal do que do estilo visual do cineasta.
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Fassbender em "Steve Jobs"; performance do longa coloca o ator entre os favoritos ao Oscar |
"Steve Jobs" está muito mais próximo de "A Rede Social", escrito por Sorkin, do que de "Quem Quer Ser um Milionário", dirigido por Boyle. Mas é preciso dar crédito ao diretor pelas ótimas performances de Fassbender, Winslet e Daniels.
Por fim, um detalhe importante: "Steve Jobs" beneficia-se muito do fato de ter sido lançado dois anos depois do horrendo "Jobs", protagonizado por Ashton Kutcher. Na comparação, as virtudes do novo filme parecem ainda maiores. Nunca um filme esquemático de Hollywood foi tão bom.
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