Peça com Alessandra Negrini evoca fantasmas do legado bandeirante
Como num ritual xamânico, o trabalho do amazonense Francisco Carlos evoca um transe. Seja no jogo de palavras –que une poesia, reflexos do inconsciente e momentos de realismo–, seja na colagem de referências, que, de alguma forma, trazem à tona a questão indígena no Brasil e o embate entre colonizador e colonizado.
Em seu novo espetáculo, que estreia nesta sexta (11) em São Paulo, o diretor e dramaturgo evoca também espíritos.
"Sonata Fantasma Bandeirante" é uma ode ao sueco August Strindberg (1849-1912) e a sua "A Sonata Fantasma", peça de câmara com traços de expressionismo que ironiza aqueles que vivem como fantasmas ostentando riqueza.
Lenise Pinheiro/Folhapress | ||
Os atores Alessandra Negrini, Daniel Morozetti (esq.), Begê Muniz (centro) e Daniel Faleiros (esq.) |
Também é a segunda parte de uma série de quatro montagens que repassam de forma crítica o legado dos bandeirantes no Brasil –a primeira, "São Paulo Chicago", sobre os barões do café, entre 1890 e 1930, e sua idolatria aos feitos de bandeirantes, foi encenada no ano passado.
Boa parte da pesquisa de Carlos vem de "Vida e Morte Bandeirante", obra de 1928 em que José de Alcântara Machado mostra detalhes do cotidiano paulista nos séculos 16 e 17.
"Até o século 20, a história dizia que os povoados eram muito suntuosos. Há descrições como a do palácio de Versalhes", conta o diretor. "Mas Alcântara mostra que a coisa era muito mais precária, ao contrário do que se vendia."
ROUQUIDÃO
Em sua "Sonata", Carlos parte de uma família do século 17 para reconstituir o povoado de Piratininga (no interior do Estado de São Paulo).
Coloca em cena uma dramaturgia fragmentada, repleta de vozes fantasmagóricas: do pai bandeirante (Daniel Faleiros), dos filhos (Daniel Morozetti e Begê Muniz), da mulher (Alessandra Negrini).
Esta, já afônica dos seus mandos e desmandos de gerente da casa e dos sofrimentos pelas traições do marido.
"Comando escravos e escravas de meu marido polígamo. Minha voz é rouca. Minha voz é rouca de tanta ordem e desordem. Mulher com voz de fantasma", diz em cena, deitada em um baú e cercada de paredes de taipa de pilão.
"É uma mulher forte, mas também oprimida", diz Negrini. Para a atriz, porém, muitas das questões da peça são ainda contemporâneas. "São vários discursos, o da mulher de 1600 e o da de agora."
Além da obra de Strindberg, Carlos também evoca os fantasmas de "Hamlet" –o pai bandeirante, como se fosse um espírito pela casa, chama o filho pelo nome do personagem shakespeariano.
"Como a minha dramaturgia busca a subjetividade indígena, coloco ali 'Hamlet', que, para muitos, representa a subjetividade ocidental", explica o encenador.
O projeto bandeirante de Carlos tem como foco o índio guarani, tribo que mais sofreu com a chegada dos "desbravadores", afirma o diretor.
Depois de "Sonata", Carlos planeja encenar "O Crepúsculo da Terra Guarani", inspirada num mito indígena segundo o qual haveria uma terra má e outra desprovida de maldade; e "Spaghetti Paulista", um jogo de guerra entre jesuítas, guaranis e bandeirantes.
SONATA FANTASMA BANDEIRANTE
QUANDO sex. e sáb., às 21h, dom., às 18h; até 24/4 (não haverá sessão no dia 25/3)
ONDE Sesc Ipiranga, r. Bom Pastor, 822, tel. (11) 3340-2000
QUANTO R$ 9 a R$ 3
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
Livraria da Folha
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