crítica
Original, Juliana Rojas afirma a força dos Filmes do Caixote
Logo no início de "Sinfonia da Necrópole", um corpo sai de um túmulo. Não é um morto, porém. Nem o parente de alguém que acaba de morrer. É Deodato, aprendiz de coveiro que não suporta a morte.
A cena adianta as audácias que virão. A primeira delas fornece a trama, em que a direção do serviço funerário faz as contas e constata que, neste mundo em que todos morremos e as pessoas não param de nascer, há um desequilíbrio entre o número de jazigos oferecidos e os, digamos assim, pretendentes.
A solução é desalojar os ossos daqueles que os parentes abandonaram (ou sem parentes) para construir um edifício para guardar uma pilha de corpos. Ou seja, a especulação imobiliária transfere-se ao mundo dos mortos. Começa então a exaustiva organização do mundo tumular, em que o sensível Deodato acompanha a profissionalíssima (e portanto insensível) Jaqueline.
Juliana Rojas, autora do filme, opta por dar forma a uma comédia musical de humor negro. Em princípio, teria tudo para dar em besteira. Nada disso. Como estamos numa produção dos Filmes do Caixote, trata-se de não aceitar um cinema sem riscos (muitos, no caso). Ou que não explore os limites da expressão. Que não se exponha à incompreensão ou até ao ridículo.
"Sinfonia da Necrópole", assim como o pessoal do Caixote (além de Rojas, Marco Dutra e Caetano Gotardo), não veio para fazer número ou fortuna. É um grupo de artistas e um filme de artista.
As questões transferidas para o mundo dos mortos dizem respeito, a rigor, aos vivos: qual o sentido da existência? O que significa o fim a que todos estamos destinados, com seus rituais e ornatos? Qual a semelhança entre nossos ossos e nossas almas?
A fluência e o agradável encontro entres imagem e canções são atributos interessantes. Mas seria injusto limitar o filme a um musical de humor negro. Nem sempre é musical, nem sempre o humor é negro. Transita-se de um gênero a outro, flerta-se com o terror, mas também com o drama.
Amplo, original, "Sinfonia" afirma a força do Caixote e de Rojas, codiretora de "Trabalhar Cansa" (2010), em seu primeiro filme solo.
É quase obrigatório destacar uma cena: depois de um duro dia de trabalho, o aprendiz de coveiro e sua chefe param com o rabecão do IML num karaokê. Ele começa a cantar. Uma mulher entra e o acompanha. Depois some.
Na vida real,ela é Sara Silveira, produtora que acompanha os cineastas. Antes, foi sócia e produtora de Carlos Reichenbach (1945-2012).
Seu envolvimento com o Caixote não é ocasional: já se pode dizer que Reichenbach tem no Caixote seus herdeiros mais legítimos. Na integridade e na paixão pela arte, no prazer de criar e valorizar (desafiando) o espectador. Eis o que há, de sobra, em "Sinfonia da Necrópole".
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