Realities policiais ganham mais espaço na TV e constroem imagem de heróis
Produzir realities policiais é um bom negócio. O gênero chegou à televisão brasileira em 2010 e parece não ter pressa para deixar a programação de canais abertos e pagos –hoje, sete atrações do gênero vão ao ar no país.
O mercado recebeu mais um sinal de aquecimento em janeiro, com a chegada da produtora AfroReggae Audiovisual, vinculada à ONG carioca liderada por José Junior.
A empresa, presidida por Sérgio Sá Leitão e dirigida pelo jornalista Luís Erlanger, tem como sócios Armínio Fraga –ex-presidente do Banco Central– e o BNDES, que possui 15% de participação.
Divulgação/Medialand | ||
Cena de 'Operação Policial' (Nat Geo Play), que retrata policiais especializados no combate a quadrilhas |
A primeira série da nova produtora é o reality show policial "No Rastro do Crime", que estreou no início de março no canal pago +Globosat.
A atração acompanha o trabalho da tropa de elite da polícia civil do Rio, a CORE (Coordenadoria de Recursos Especiais), e segue a cartilha de programas norte-americanos como "Cops", exibido há 27 anos: um produtor e um cinegrafista registram ações da polícia do ponto de vista da corporação, captando imagens de operações, flagrantes e perseguições.
O "Cops" foi a inspiração de Carla Albuquerque, pioneira do gênero. Quando fundou a produtora paulista Medialand –que já fez 14 realities policiais em 12 Estados do país desde 2010–, escolheu o "Operação de Risco" (RedeTV!) para começar.
SENSAÇÃO DE SEGURANÇA
"A segurança faz parte do dia a dia das pessoas, por isso tem um alto nível de interesse. O público entende que [o programa] não é sensacionalismo nem enobrece o criminoso, mas mostra que o crime é combatido", defende Carla. "Não estamos ali para julgar se o trabalho da polícia é bom ou ruim, mas para mostrar o que ela faz, além de estimular a sensação de segurança."
Sérgio Sá Leitão, da Afroreggae Audiovisual, diz notar um interesse crescente de canais e distribuidoras pelo tema, estimulados pela narrativa de ação. O gênero é o preferido no país segundo uma pesquisa encomendada pela RioFilme em 2015.
"A ficção brasileira não está sabendo saciar o interesse do público por esse tipo de produto. Já o 'doc reality' é uma overdose de realidade."
Divulgação/Medialand | ||
'P.O.L.I.C.I.A', série exibida no canal AXN e que acompanha em tempo real as ações da PM brasileira |
E de economia: o custo de cada episódio vai de R$ 80 mil a R$ 100 mil, dez vezes menos do que o de uma ficção.
Procuradas por meio de suas assessorias de imprensa, a RedeTV!, que agora produz o "Operação de Risco", e a Band, que compra o "Polícia 24H" da produtora Eyeworks Cuatro Cabezas não quiseram falar com a Folha.
PROCESSOS
O "Polícia 24H" é a maior audiência entre os realities policiais: chega semanalmente a 1,37 milhão de espectadores em todo o país, segundo o Ibope. É também o que mais soma processos de vítimas retratadas, muito em razão do tom de zombaria adotado pelo programa –na edição, as histórias ganham humor graças a efeitos sonoros, semelhantes aos que eram usados no "CQC".
Nesses casos, a Justiça costuma ser favorável às emissoras: a liberdade de expressão se sobrepõe ao direito de imagem. Os personagens costumam aparecer com borrão sobre o rosto e a voz alterada.
Nem sempre funciona: um homem que apareceu no "Polícia 24H" em 20 de novembro de 2011 afirmou que a "exposição indevida" o tornou "alvo de gozações e zombaria, provocando sofrimento moral", segundo um processo.
O deboche incomodou também a PM de São Paulo, que suspendeu as gravações no início do ano para reavaliar seu "modus operandi" –as filmagens seguiram em outros Estados e voltaram a ser liberadas em SP na última semana.
No mais, a corporação não tem do que se queixar. Quando Carla Albuquerque foi apresentar sua ideia à polícia, pôde contar com a boa disposição do hoje deputado estadual Coronel Camilo (PSD-SP), então comandante da PM. Foi ele quem assinou o documento que autorizou a cinegrafistas e produtores de TV acompanhar as tropas.
Camilo achava que faltava construir no Brasil a imagem de policial herói. "Aqui se glamoriza o crime. Você tinha filmes como 'Cidade de Deus', 'Carandiru' e o próprio 'Tropa de Elite', que debocham da polícia", reclama o coronel.
Protagonizar realities policiais é um bom negócio. Sem desembolsar nada de seu orçamento, a polícia conquistou um espaço positivo na TV. À Folha, Emerson Massera, major responsável pela comunicação da PM, diz que chefes da corporação assistem às filmagens e chegam a vetar imagens consideradas inapropriadas –os produtores negam.
Não seria também parte da realidade documentar a polícia que protagoniza abusos de poder e, por vezes, chacinas? Em 2014, policiais mataram, em média, oito pessoas por dia no país, segundo o Anuário de Segurança Pública.
Para produtores, não: é entretenimento. "Temos o Ministério Público, a Justiça e os jornalistas para investigar. Não tivemos a pretensão de fazer jornalismo", resume Carla.
A POLÍCIA VEM, A POLÍCIA VAI
Polícia 24H
(Band e A&E)
1,4 milhão de espectadores*
QUANDO qui., às 22h30 (Band), e ter., às 23h15 (A&E)
Operação de Risco
(RedeTV!)
923,7 mil espectadores*
QUANDO sáb., às 22h15
P.O.L.I.C.I.A.
(AXN)
47,8 mil espectadores*
QUANDO dom., às 22h55
No Rastro do Crime
(+Globosat)
QUANDO qui., às 21h
Operação Policial
(Investigação Discovery
e Nat Geo Play)
QUANDO sáb., 18h (Investigação Discovery)
Mulheres em Ação
(Lifetime)
QUANDO sexta, às 4h30
Show de Polícia
(PlayTV)
QUANDO sáb., às 22h
*Audiência média de programas policiais no Painel Nacional de Televisão do Ibope de março/15 a março/16; nem todas as emissoras informam a audiência
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