CRÍTICA
'Incompreendida' resgata bons tempos do cinema italiano
"Incompreendida" é o terceiro longa de Asia Argento, filha do mestre do horror italiano Dario Argento. Trata de abandono e irresponsabilidade em uma família disfuncional que reflete muito bem nossos tempos incertos, apesar da trama ser ambientada nos anos 1980.
Aria (Giulia Salerno, um espetáculo de atriz mirim) é a filha caçula de um casal que se separa. Sua mãe, a pianista Yvonne Casella (Charlotte Gainsbourg), só liga para a filha do meio e os amantes.
O pai, Guido Bernadotte (Gabriel Garko), um ator famoso de filmes B, cheio de "não-me-toques", é a própria definição de brutalidade, um ser boçal que só dá atenção à filha mais velha, de 15 anos, e, como Yvonne, também coleciona amantes.
Divulgação | ||
Charlotte Gainsbourg e Giulia Salerno em cena do filme "Incompreendida" |
A diretora prefere se concentrar, acertadamente, na infância de Aria, em seus amigos da escola, as pequenas paqueras, a amizade com Angelica (Alice Pea).
Quando mostra os adultos, quase sempre o tom é negativo. O que reforça, por outro lado, o que eles têm de positivo (como na sequência em que Aria é levada pelo pai a um show de rock).
"Incompreendida" é estranhíssimo, com uma câmera maneirista e uma música eletrônica oitentista, muitas vezes invasiva, como um ruído que nos diz que por ali ninguém é normal.
Alguns acontecimentos são mal construídos, como as circunstâncias que levaram Aria a dormir uma noite com outros excluídos da sociedade, por exemplo, ou as frequentes mudanças entre as casas do pai e da mãe.
Mas há talento na direção de Argento, usado de uma maneira tortuosa, e até por isso mais impactante. É a vida e nada mais, complexa, muitas vezes inexplicável, mas torturantemente bela.
Há momentos belíssimos, como por exemplo a falsa chegada dos pais dela na premiação escolar, uma cena imaginada por Aria e banhada por uma luz toda irreal, poética. Ou as diversas brincadeiras das adoráveis Aria e Angelica.
O título original do filme, "Incompresa", remete a um dos maiores melodramas já feitos: "Quando o Amor é Cruel" (no original: "Incompreso"), do diretor italiano Luigi Comencini.
Nesse último, visto por Aria na TV, os dois filhos de um embaixador inglês passam a maior parte do tempo sozinhos ou sob os cuidados de governantas.
Em "Incompreendida", os pais de Aria por vezes estão presentes, mas é como se não estivessem. O filme, afinal, fala dessa terrível ausência na vida de Aria.
E fala de um jeito tipicamente italiano, como nos bons tempos desse cinema de história riquíssima, costurando ternura e sofrimento, alegria e melancolia, com intensa sensibilidade.
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