Em mostra na Oca, Francesco Vezzoli reflete sobre política e Hollywood
Quando era pequeno, muito antes de aflorar sua cara de pau no trato com celebridades e a sexualidade transbordante de sua obra, Francesco Vezzoli se apaixonou por Sonia Braga, ou melhor, por Júlia Matos, a personagem da atriz em "Dancin' Days".
"Era muito desconcertante e sedutor aquilo, o afresco épico de um momento da história do Brasil", diz o artista, sobre a novela de Gilberto Braga. "Ela retomava a cultura do Studio 54 só que filtrada por uma sensibilidade latina, Andy Warhol e Vinicius de Moraes juntos no mesmo roteiro."
Vezzoli viu as estripulias de Braga e companhia dubladas em italiano, quando ainda vivia em Brescia, cidade nos arredores de Milão onde nasceu. Mais tarde, voltou à obra de 1978 na tese de graduação que escreveu na Central Saint Martins, em Londres, onde estudou. Sua pesquisa tentava identificar referências homoeróticas ocultas na trama.
Divulgação | ||
Cena de "Caligula", filme do artista italiano Francesco Vezzoli com Milla Jovovich |
Mas seu mergulho no mundo das meias de Lurex, letreiros de neon e globos espelhados da pista de dança que incendiava a tela da TV em plena ditadura acabou forjando os rumos de todo o seu trabalho como artista plástico.
Desde que surgiu na cena artística há quase duas décadas, Vezzoli, alvo de uma exposição que em novembro vai ocupar toda a Oca, no Ibirapuera, vem construindo uma reflexão sobre o impacto político do show business, em especial o culto à celebridade como arma retórica e ideológica.
"Sempre tive um fascínio perverso pela indústria do entretenimento, e esse fascínio tem uma relevância política", diz o artista. "Sou fascinado pela complexidade e pelo poder imenso desse mundo, que pode ser usado tanto para o bem quanto para o mal."
Vezzoli tentou fazer o bem quando convenceu Sonia Braga a viver a diva do fado Amália Rodrigues num estranho curta-metragem, que começa em estilo de radionovela com a narração de ninguém menos que Lauren Bacall.
Lembrando um show de drag, Braga dubla as canções da portuguesa usando uma série de disfarces, de andaluza lamuriosa a uma camponesa fã de Che Guevara.
Nada na obra de Vezzoli, aliás, é sutil, começando pela forma como tenta escalar os elencos estelares de seus vídeos. Sem pagar cachê, ele diz ter bombardeado atrizes como Braga, Bacall, Cate Blanchett, Natalie Portman e a cantora Lady Gaga com cartas, flores e declarações de amor indecorosas para que topassem fazer parte de seu circo kitsch.
Nenhuma delas disse não. E algumas, como Portman, repetiram a dose, aparecendo em vários filmes do artista, um deles um comercial de perfume de mentira dirigido de verdade por Roman Polanski, outro amigo de Vezzoli. No filme, a vencedora do Oscar por seu papel em "Cisne Negro" se atraca com uma loiríssima Michelle Williams para ficar com um frasco de Greed -o artista batizou a fragrância com o termo inglês para "ganância".
Mas longe das câmeras, suas musas tendem a ser bem generosas, se é que não cederam a um afago no ego.
"Acredito mesmo que todos que aceitaram fazer parte dos meus projetos entenderam que no fundo eu estava fazendo um pequeno retrato, um poema, um gesto sobre a identidade deles."
Ou a imagem deles. Vezzoli canalizou o potencial magnético desses rostos também em obras de vertente mais política, caricaturas hilárias de postulantes a cargos de poder.
CASA BRANCA E BACANAL
Num vídeo que lembra a atual disputa pela presidência americana, uma candidata à Casa Branca vivida por Sharon Stone parece fundir na mesma figura a fama de um Donald Trump e o discurso "empoderado" de Hillary Clinton, com música triunfante embalando eleitores que clamam por uma presidente mulher.
Vezzoli estreou a obra há quase dez anos na Bienal de Veneza, mas parecia já enxergar o que entende como uma "guinada radical" no potencial político do show business.
"O mais surpreendente hoje é que uma mulher que estava tentando prender Osama Bin Laden dispute a presidência com um homem que apresentava na mesma época um reality show idiota", diz Vezzoli. "É surreal, mas isso mostra como o poder se deslocou para a frente das câmeras. Não está só no controle da mídia, está na figura de celebridades que pedem votos à plateia."
Num de seus trabalhos mais famosos, Vezzoli reveste de sexo essa busca por poder, criando um trailer para o que seria o remake de "Calígula", o pornô épico escrito por Gore Vidal e rodado nos anos 1970. O artista revisita a vila romana "transbordante de luxúria" do original, mas atualiza o elenco com atores mais jovens, entre eles Benicio Del Toro, Milla Jovovich e Courtney Love.
"Todos temos nossas obsessões, fetiches e manias, mas não faria uma obra só por causa disso", diz Vezzoli. "Essa é uma forma de relacionar a história da democracia à história do entretenimento."
FRANCESCO VEZZOLI
QUANDO abre em 10/11, às 19h; de ter. a dom., 9h às 17h; até 11/12
ONDE Oca, pq. Ibirapuera, portão 3, tel. (11) 5579-0151
QUANTO R$ 10
Livraria da Folha
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