Crítica
Emocionante, 'Os Arqueólogos' ressalta a grandeza do ínfimo
Depois da recente conquista do prêmio Shell com sua peça "Arrã", o dramaturgo Vinicius Calderoni dá, com "Os Arqueólogos", novos passos para, no futuro, ter o conjunto de sua obra considerado um dos melhores de sua geração.
Esse poder de julgar o amanhã que não veremos sobre a história que fazemos é, aliás, um dos temas da peça.
Num futuro distópico –ao estilo opressivo de "Admirável Mundo Novo" de Huxley–, tempo no qual vivem os dois "arqueólogos" do título, os homens vivem cada vez mais, em anos, e cada vez menos, em qualidade emotiva e poética. A sociedade eliminou a liberdade e o amor, considerados graves vícios de uma era que acabou em desastre.
Lenise Pinheiro/Folhapress | ||
Guilherme Magon e Vinícius Calderoni em cena do espetáculo 'Os Arqueólogos' |
E esses cientistas –Calderoni também atua, ao lado de Guilherme Magon– estão encarregados de investigar, de maneira asséptica e burocrática, os vestígios que dão testemunho do que somos e como foi que demos errado.
Em cena, a dupla se move por sobre uma série de caixas de papelão, manchadas de farinha e spray verde (o bolor dos séculos), e vão avaliando documentos como uma carta de amor e a fotografia de um pai fazendo careta para o filho que ele ensinava, naquele mesmo dia do passado, a usar uma câmera analógica.
Outra sacada brilhante do texto é mostrar essas cenas do presente tal como narradas por dois locutores esportivos, que contam, na linguagem do futebol, do boxe, da corrida automobilística, cenas cotidianas como um parto de gêmeos, o menino aprendiz de fotografia ou outro, da mesma idade, sozinho na esquina fazendo malabarismo com bolas de tênis em busca de algum trocado.
Os atores encarnam ainda os personagens cuja vida é "fotografada" pela voz dos locutores. Mas nada fica confuso, graças à versatilidade da dupla e ao ritmo compassado pela belíssima iluminação.
Com direção de Rafael Gomes, também premiado com o Shell por "Um Bonde Chamado Desejo", a peça emociona e estimula na plateia, ao final, um desejo de abraçar quem está do lado.
Se o par de arqueólogos assusta, pelo estilo de vida de que são prisioneiros, os locutores geram um riso que não é de zombaria, mas de alegria, inclusive pelo que revelam da "grandeza do ínfimo" no nosso dia a dia, que deveríamos viver com a empolgação de uma final de Copa do Mundo.
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