Crítica
Michel Laub faz narrativa fria da hipocrisia dos juízos morais
Michel Laub não teme enfrentar os grandes temas –ou mesmo os enormes, como fez com o Holocausto, em "O Diário da Queda" (2011), numa trama que mesclava identidade judaica e memória –ou sua perda.
Em seu sétimo romance, "O Tribunal da Quinta-Feira", Laub escolhe uma nova dupla de tópicos de monta: a Aids e os julgamentos morais, que, se não são uma exclusividade de nosso tempo, se veem nele exacerbados pelas redes sociais.
De início, José Victor, o narrador, nos contará suas recordações da adolescência e início da vida adulta sob a descoberta da Aids. Em paralelo, nos fala da amizade com Walter, começada quando os dois estudavam publicidade.
Fabio Braga/Folhapress | ||
Michel Laub, autor do livro 'O Tribunal da Quinta-Feira' |
Na correspondência eletrônica dos dois, a intimidade de 25 anos de conhecimento mútuo permite piadas chulas, segredos de cunho sexual e um léxico peculiar, que não teriam por que fazer sentido fora daquele âmbito restrito.
E não fazem, como os acontecimentos comprovarão.
Quando Teca, recentemente separada de José Victor, resolve expor trechos editados da correspondência a alguns destinatários que, dali, fazem o caso explodir nas redes sociais, o linchamento não tarda. As consequências qualquer um hoje pode facilmente imaginar.
Toda a trama é contada em primeira pessoa por José Victor, salvo nos trechos reproduzidos de mensagens (e mesmo estes, apresentados por ele, podem ser parciais).
Ainda assim, se o leitor não desconfia desse narrador altamente comprometido com os fatos que nos conta, isso se deve ao tom contido da narrativa, oscilando entre o descritivo e o enumerativo.
Mesmo quando sardonicamente discorre sobre sua ex-mulher e sua família, o faz de tal forma que não nos sentimos diante de alguém cuja crítica nasce do ressentimento –Laub lança bem mão dos clichês que vemos encarnados em gente real à nossa volta.
Esse discurso estranhamente objetivo, inabalável –uma concessão que a verossimilhança faz ao artifício literário– é o que permite que o leitor se cole à percepção dos fatos de José Victor.
O Tribunal Da Quinta-feira |
Michel Laub |
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Por outro lado, a frieza com que José Victor conta sua história também contribui para deixar adormecida a empatia do leitor, feito pelo artifício um observador de uma história desapaixonada.
Eliminada a possibilidade de gerar qualquer emoção compassiva, Laub deixa que o leitor se coloque, por vezes, como o próprio João Victor, no papel de réu, procurador e juiz –de si, e não dos personagens. (Curioso notar que a personagem ironicamente nomeada como vítima se recusa a esse papel.)
É um romance cuja brevidade não nos faz intuir sua complexidade, que abre mão de oferecer uma solução apaziguadora para a trama, mas também de abalar o leitor em suas crenças. Toda identificação propiciada é cerebral.
Mais que tudo, trata-se de um estudo estilisticamente bem dominado sobre a hipocrisia social.
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