Crítica
Autor singular, Flávio Izhaki incita leitor a solucionar quebra-cabeça
"Tentativas de Capturar o Ar", do carioca Flávio Izhaki, é um romance que não chega a ser um romance, escrito por um autor que desestabiliza a própria noção de autoria, com um enredo que se confunde com a própria estrutura do livro. Em resumo, uma obra que trata do fracasso, na vida e na literatura.
Izhaki vale-se de diferentes vozes narrativas para contar, em linguagem fluida, a história de um jovem pesquisador que se perde nas malhas da ficção ao tentar escrever a biografia de Antônio Rascal –apresentado como um grande escritor brasileiro já morto, o qual, por motivos ignorados, teria renunciado à literatura após ter publicado três livros importantes.
Um dos propósitos do biógrafo é exatamente elucidar o porquê dessa renúncia repentina, o que o leva à investigação de um hipotético crime que teria sido cometido por Rascal e cujas pistas (não se sabe se reais ou fictícias) aparecem, de maneira oblíqua, num conto por ele deixado em forma de confissão.
Dúvidas e incertezas são, assim, os ingredientes principais da história que se esboça sem, contudo, se constituir efetivamente, já que o pesquisador morre atropelado antes de escrever o livro.
O que sobra aos leitores é apenas um conjunto fragmentado de textos, que inclui os registros de um diário mantido pelo biógrafo durante a pesquisa, duas narrativas de Rascal, algumas entrevistas feitas com pessoas relacionadas a ele e um relato autobiográfico de seu filho, que traz à tona informações sobre a vida pessoal e prosaica do enigmático escritor.
A esse conjunto somam-se ainda alguns textos periféricos –uma nota editorial, um prefácio e um posfácio assinados por diferentes pessoas– que funcionam como adendos também ficcionais.
Por meio de todos esses artifícios bem urdidos, Izhaki discute os limites/liames entre realidade e ficção, vida e literatura, além de expor os difíceis laços familiares que marcam a vida dos envolvidos na história.
O que o biógrafo teria, de fato, escrito se tivesse conseguido levar a cabo seu projeto de reconstituir a história de Rascal a partir dos textos recolhidos na pesquisa e das pistas imprecisas que começou a seguir para desvendar um crime que não sabe ao certo se aconteceu?
Teria sido mesmo o sentimento de culpa por esse suposto crime o que teria levado o escritor a abandonar a literatura? Ou não seria tudo mero pretexto para a escrita de um romance policial?
Diante de tais questões, cabe a quem lê a desafiante tarefa de tentar montar o quebra-cabeça, mesmo que a tentativa, ao final, se revele impossível.
Com esse romance, que se realiza muito bem em seu projeto de irrealização, Flávio Izhaki –autor de dois outros livros não menos interessantes– vem evidenciar, mais uma vez, o seu traço de singularidade no cenário da literatura brasileira atual.
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