Crítica
Cia. Kiwi torna dramaturgo o espectador das próprias ideias
Lenise Pinheiro/Folhapress | ||
Cena da peça 'Material Bond' |
Ao participar do ciclo "O Teatro e a Cidade", realizado em 2001 no Centro Cultural São Paulo, Edward Bond especulou sobre a lógica contida na imaginação. Para o poeta e dramaturgo inglês, o teatro acontece na cabeça dos espectadores, pois a mente humana é, em si, uma estrutura dramática.
Esse raciocínio move a Kiwi Cia. de Teatro em "Material Bond", cujo roteiro abarca textos não dramáticos desse artista octogenário de convicção social no modo de fazer arte e vigor formal que atraem jovens interlocutores como Sarah Kane (1971-1999).
É sob as lentes do escritor do qual é estudioso e já o visitou em outras criações que o diretor Fernando Kinas olha também para a realidade brasileira dos dissensos. Prato cheio para o recurso expositivo das contradições, uma constante na companhia.
Em vez de enredo, um fluxo de poemas, composições e histórias breves sonda o passado (pós-bombas atômicas, pós-Holocausto, pós-11 de Setembro –Bond estava no Brasil no mês seguinte) e o panorama atual de sociedades coagidas pelo medo e pelo terror dos fundamentalismos da fé ou do capital.
Ao alinhar imagens de guerra, atentado, manipulação midiática e manifestação de rua a peça faz de Bond espectador de suas ideias. Esse efeito ao revés estranha no bom sentido. É o que aprofunda o conhecimento e a crítica ao triangular com o espectador.
Há infiltrações da performance, das artes visuais e da música. A liberdade de cruzamentos substancia a teatralidade e torna a experiência menos cerebral do que prenunciada.
A atriz Fernanda Azevedo e o percussionista e compositor Eduardo Contrera interagem entre si ou diretamente com a audiência. Ela maneja palavra, objeto, máscara e boneco-manequim. Ele, postado no centro da cena, atrás do tecido transparente que recebe projeções, faz dali o set. O macacão laranja de presidiário e a execução de "Wish You Were Here", do Pink Floyd, inclusive vocal, mostram o quanto Contrera conquista em termos de autonomia em cena.
Fernanda é a mediadora do pensamento ("Eu não quero ser alarmista"; "Julgue pela situação, não pelo personagem"). Inquire, baliza, olha no olho. A enunciação clara estende-se ao estado performativo que comunica com plenitude.
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