CRÍTICA
Com obra reunida, Hilda Hilst é uma poeta complexa e matizada
Reprodução | ||
Hilda Hilst na juventude; escritora chamava a atenção por fugir aos padrões da época |
DA POESIA (bom)
AUTORA Hilda Hilst
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 64,90 (581 págs.)
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Cada reedição dos livros de poemas de Hilda Hilst (1930-2004) se assemelha a uma estreia. Dificilmente são identificadas as principais influências em sua obra ou que influência tiveram seus poemas em sua geração e depois.
Por mera cronologia, os livros iniciais da poeta –que estreou aos 20 anos– poderiam estar enquadrados na geração de 45. Mas tanto na forma quanto no tom elegíaco e filosófico, a juvenília de Hilst exibe aspectos que a afastam daquela geração.
Há imagens surpreendentes, como as do poema X de seu primeiro livro, "Presságio" (1950): "Olhamos eternamente/ para as estrelas/ como mendigos/ que eternamente/ olham para as mãos."
Um anacronismo bem melancólico, de origem simbolista, repercute nesses versos iniciais, mas algo parece irromper do universo previsível: "Morreu o mundo das monjas./ Morreu o mundo das mãos./ Sou doida desfigurada/ procurando mãos/ mergulhadas em azul."
Não será difícil, na vasta extensão dos poemas de Hilst, encontrar o tópico da loucura, da transfiguração, da metamorfose, da desfiguração. Esses elementos, e suas projeções, serão mesmo constantes e bem tematizados.
Contrariando um senso comum relativo a uma poeta que, afinal, ainda atualmente é pouco lida, os poemas dela valorizaram formas tradicionais, seguiram trilhas canônicas e consagradas.
"Trovas de Muito Amor para um Amado Senhor", de 1960, é escrito em registro formal e uso da segunda pessoa do plural: "Vossas carências/ Sei-as de cor. E o desvario/ Na vossa ausência/ Sei-o melhor."
Os livros seguintes não atenuaram o tom altissonante, o registro alto e solene, que em muito explicam a escassa circulação dos seus poemas.
Há sempre uma dicção como que superior em sua poesia, por exemplo, no tratamento da lírica amorosa ou da pessoa amada.
E, pouco a pouco, discreto, mas intensamente, aparece tardia a memória erótica, não interessa se muito recente ou longínqua: "Sonhei penhascos/ Quando havia o jardim aqui ao lado./ Pensei subidas onde não havia rastros./ Extasiada, fodo contigo / Ao invés de ganir diante do Nada."
Muita consideração crítica poderá ser elaborada na análise dessa aproximação, cada vez mais frequente na fase final de Hilda Hilst, entre o chulo e o sublime, entre o carnal do "foder" e o espiritual êxtase.
Somente quem não conhece essa derradeira combinação de propósitos na sua poesia poderia surpreender-se com os parcos poemas de "Bufólicas" (1992), conjunto fescenino, humorístico e tendente à paródia.
Mas, observe-se bem: mesmo esses poemas não trazem qualquer novidade seja na forma quanto na sua expressiva liberalidade. São mesmo conservadores e até, no limite, pudicos em seu ardor.
Até o fim, Hilda Hilst permaneceu leal a um modelo clássico do poema.
Pode-se estudar o quanto a sua lírica é devedora da tradição poética portuguesa. Deve-se procurar, suponho, o melhor da poeta no âmago desse molde, que tem numerosos momentos filosofantes e pouco experimentalismo.
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Não é a poeta iconoclasta que muitos pretendem encontrar: ao contrário, é a poeta complexa e matizada, obcecada por si mesma e tratando, quase sempre, do enigma de estar em contato com o outro.
Uma grande poeta, sim, mas encalacrada em seu espaço mínimo de comunicação.
FELIPE FORTUNA, 54, poeta, ensaísta e diplomata, é autor de "O Mundo à Solta" (Topbooks) e tradutor de "Briggflatts" (Topbooks), de Basil Bunting.
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