Levantamento reflete a fragilidade da abordagem científica da arte
Marcelo Justo/Folhapress | ||
Caráter fragmentado da produção musical brasileira não permite mais aplicação do rótulo MPB |
A Análise da Música Brasileira reflete o ponto fraco da abordagem cientificista que norteia os modelos de compreensão em relação à produção artística como um todo.
É evidente que, ao quantificar o número de acordes e palavras diferentes, não se dá conta daquilo que podemos experimentar como a "diferença" em arte, independentemente de gênero e origem.
Não se mede a potência de um quadro pela quantidade de cores ou linhas, ou Kazimir Malevich seria um pintor sem importância. Não se mede o valor de uma obra literária tomando como perspectiva a quantidade de palavras diferentes, ou teríamos que assumir que um autor econômico como Samuel Beckett seria descartável.
E, no caso da música, o que dizer de Anton Webern? Ele seria necessariamente inferior a, por exemplo, Dmitri Shostakovich?
Não creio que a quantificação, desprovida de interpretação ou experimentação profunda e sem travas possa nortear experiências potentes e transformadoras em arte.
O autor da pesquisa parece ignorar duas questões urgentes: a música de invenção do século 20, que não trabalha necessariamente com acordes e letras (a música concreta, a música eletrônica etc.) e a prescrição do rótulo MPB, que já não faz sentido ante à lógica fragmentária da produção musical-sonora brasileira.
Ainda que, por uma armadilha criada pelo próprio método, o número de palavras do rap garanta seu destaque, é curioso observar que a pesquisa, aparentemente objetiva e sem juízo de valor, reproduza uma espécie sórdida de pirâmide social da música.
Embora desqualificado na pesquisa, o funk mantém um amplo debate acerca da "forma" que não se percebe, por exemplo, nos núcleos de produção de arte contemporânea.
Os funkeiros estão discutindo número de bpms [batidas por minuto], ampliando paletas sonoras, experimentando novas formas de apresentação, ritmos, estruturas de composição e outros aspectos de cunho formal que não aparecem na pesquisa.
Os esforços do pesquisador em salvar a noção de gênero, "identificando padrões e diferenças claras entre artistas e gêneros musicais", são imprudentes. Gênero é uma categoria obsoleta, como escreve o artista e filósofo Ray Brassier e, antes dele, Gilles Deleuze.
A amplitude e a riqueza da música brasileira exigem do crítico uma mudança radical de paradigma, maneiras mais eficientes de detectar diferenças não entre gêneros, mas entre obras.
As estatísticas podem ajudar, contanto que associadas a um agudo senso de experimentação e inovação.
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