Excesso de confiança afeta livro de Gonçalo M. Tavares
Pedro Loureiro/Getty Images | ||
O escritor português Gonçalo M. Tavares |
O TORCICOLOGOLOGISTA, EXCELÊNCIA (regular)
AUTOR Gonçalo M. Tavares
EDITORA Dublinense
QUANTO R$ 39,90 (256 págs.)
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O mais recente livro do angolano Gonçalo M. Tavares lançado no Brasil, "O Torcicologologista, Excelência", como o próprio título indica, nos apresenta um especialista no pensamento retorcido, nos volteios da linguagem, ou quiçá, no giro das ideias.
Dividido em duas partes desiguais, a primeira, (e mais extensa) nomeada "Diálogos", coloca em prática o método. E o início parece bastante promissor. Dois interlocutores, nunca nomeados (seriam sempre os mesmos?), discorrem sobre um vasto leque de assuntos: coragem, o bem e o mal, tempo e espaço das cidades, a moda etc.
O tema de abertura, a revolução, é um chamariz perfeito para leitores insatisfeitos com a realidade atual.
"1- Só uma última questão: é preciso levar alguma coisa para a revolução?
2- Cada um leva o que sentir ser necessário, e o que for exigido pelo mais profundo do seu ser.
1- Como?
2- Leve uma pedra."
O aprendizado da violência –pedras para partir vidros ou cabeças–, as inversões das circunstâncias surpreendem o leitor. Mas, logo em seguida, o didatismo dos diálogos reduz de forma considerável as margens da ambiguidade, pois constatar reiteradamente a conversa de dois alienados por si só não rompe o círculo da alienação.
Se esse procedimento formal, de início, permite deslocar a posição do outro (locutor/leitor) e dar a ver o mundo de um ângulo diverso, corre-se o risco também de levar a um progressivo esvaziamento da linguagem e a uma retórica da redundância.
Tavares transforma aquilo que poderia ser uma crítica feroz à sociedade contemporânea numa sucessão de esquetes onde o irônico perde terreno para o riso frouxo. Lugares comuns empurram o leitor para as cordas, adiando o nocaute por vários rounds.
Até mesmo quando o escritor mimetiza o pensamento obtuso tão presente no cenário político mundial, termina baixando a guarda da linguagem e o combate verbal enfraquece diante de soluções alinhadas, complacentes e cediças em torno de palavras que começam com C: caganifrates, caga-lume, cagaita, caga-na-saquinha- caganeta.
Já a segunda parte do livro "Cidade" prescinde do diálogo. Sequenciados e numerados, os habitantes são retratados segundo uma estética da estatística.
"O Número 3 está a desenhar os pais e a mandar um sms com o nome do médico", ou "O Número 50 está a ver pornografia no computador e a mandar um sms com a mensagem 'Estou quase a terminar o trabalho'."
Haveria aqui uma tentativa de denunciar a realidade apequenada dos homens? Repetição disfarçada na (in)diferença? As didascálias representariam a alienação da condição humana no tempo?
No conjunto, o livro revela uma ambição intelectual maior do que efetivamente realiza. O descompassado paralelo entre "diálogos/cidade, espécie de espelhamento entre o mundo das ideias e a concretude da vida social, só reitera os problemas estruturais da obra: as partes não conversam. Tagarelice e silêncio se cruzam sem controvérsia.
O Torcicologologista, Excelência |
Gonçalo M. Tavares |
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Transitando por uma linhagem que vai de "Monsieur Teste", de Valéry, a "Histórias do sr. Keuner", de Brecht, Tavares vem desenvolvendo uma obra literária –poesia, romance e ensaio– que deve ser respeitada.
Mas, talvez, neste último livro, peque por acreditar demais no seu talento e repita estratégias já conhecidas dos seus leitores de "O Bairro".
O mundo é mais complexo do que supõe o torcicologologista, Excelência!
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