Luiz Fernando Carvalho abre galpão para ensaiar filmes em São Paulo
Bruno Santos/Folhapress | ||
O diretor Luiz Fernando Carvalho no galpão da Vila Leopoldina |
Circulando descalço e com os cabelos descoloridos pelo amplo tablado, o diretor Luiz Fernando Carvalho remove um pôster e exibe o "flutuograma" que ele mesmo riscou com giz na parede: "planeta flutuante = idílio amoroso <–> imaginação amorosa".
Ele indaga à reportagem: "Será que a força da gravidade não muda quando estamos apaixonados e aí por isso nos sentimos flutuando?".
Seja qual for a resposta, o cineasta tem como seu novo centro gravitacional um galpão de 40 m x 28 m na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo, onde ele prepara dois novos filmes.
Prepara, não; pesquisa.
"Isso aqui é um galpão de processo criativo, de escavação. Não tem nada a ver com a pré-produção em si", diz Carvalho. Nos fundos, um pianista dedilha "Hallellujah", canção de Leonard Cohen.
Carvalho usa o espaço para "escavar" dois longas: "A Paixão Segundo G.H.", inspirado em romance homônimo de Clarice Lispector, e "Objetos Perdidos", que tem por base roteiro original seu, escrito com João Paulo Cuenca.
O diretor conduz leituras dramáticas, propõe exercícios de corpo e voz a seus atores, às vezes sugere danças e usa a lousa para explicar alguma coisa no local, outrora ocioso e cedido pela Academia de Filmes, que produzirá os longas originados dali.
As duas obras devem começar a ser rodadas a partir de março. Os elencos ainda não estão definidos, mas alguns atores já foram convidados para ensaiar no lugar.
A atriz Maria Fernanda Cândido dará vida a G.H. no filme inspirado na obra de Clarice, sobre uma mulher que faz um mergulho existencial após matar uma barata no quarto da empregada.
O longa tem ramificações com "Objetos Perdidos": nesse, a personagem feminina (Marcela Vivan Russo) é "clariciana", segundo o diretor, e deseja adaptar "A Paixão Segundo G.H.", o que fará os dois filmes dialogarem.
Em comum, o fato de girarem em torno do afeto, da "sensação de flutuação" -daí o "flutuograma", que, ele espera, deve ajudar a definir a velocidade da câmera.
O diretor conta que acalenta criar espaços de ensaios desde que rodou o premiado "Lavoura Arcaica" (2001).
Na época, isolou-se com o elenco numa fazenda em Minas e fez os atores aprenderem a semear e a ordenhar vacas. "Não queria que eles imitassem o mundo, mas que inventassem o mundo", diz.
No galpão, Carvalho escreveu no alto os nomes de seus novos projetos, encheu o lugar de livros (há, por exemplo, um sobre o pintor Goya, outro sobre o cineasta Tarkóvski), entremeados por um crânio, e pôs nas paredes textos com sua assinatura.
Num deles, diz: "O preto é a luminosidade além da luz. A todos nós, as dádivas, os mistérios e a elegância do preto. Com toda a luz. LFC".
Em fevereiro, a Rede Globo deixou de renovar o contrato de LFC após 30 anos de trabalho, que resultaram em obras com marca visual bem forte, como as novelas "Renascer" e "O Rei do Gado" e a minissérie "Os Maias".
"Eu jamais poderia fazer esses filmes na televisão. Meu tempo na TV aberta acabou."
O galpão paulistano também tem prazo. "Ele está na nuvem. Se meu próximo projeto for nos pampas, ele desce da nuvem e eu o abro lá. O galpão está dentro de mim."
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